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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

"O que passará pela cabeça dos negacionistas?"

José Carlos Pereira, 18.09.21

O historiador Lourenço Pereira Coutinho colocou no "Expresso" as questões certas relativamente aos negacionistas lunáticos da covid-19. Mas quando se passa do fanatismo proclamatório para a agressão física ou verbal de quem quer que seja, e por maioria de razão daqueles que estão investidos em funções públicas, trate-se de Gouveia e Melo, Ferro Rodrigues ou outro, não pode haver condescendência.

Um Estado de direito dá-se ao respeito no momento em que actua de modo firme perante os que atingem os seus servidores.

Máscara é coisa que não me assiste

José Carlos Pereira, 07.05.21

Com a pandemia, a máscara passou a ser um acessório essencial na via pública. Mas é algo que uso sempre incomodado e contrariado. Não fomos feitos para andar de cara e boca fechadas. Recuso-me a tirar fotografias de máscara porque não quero alimentar recordações de uma época em que proliferam caras tapadas, escondidas e tristes. Não me verão facilmente em iniciativas lúdicas em que tenha de usar máscara porque essa não é a forma natural de tirar prazer de um concerto, de um espectáculo ou de um jogo de futebol. Não quero que a máscara seja a nova normalidade. Aceito a imposição legal e sanitária, mas não contribuo para "normalizar" a máscara.

Um trabalho revelado pelo "Público" comprova que somos bem diferentes com a liberdade do riso, do gesto e da palavra sem filtro.

Eu sou vacinado, tu és vacinado e ele não é?

José Carlos Pereira, 23.03.21

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Nos últimos meses todos nos tornamos entendidos em vacinas, à custa de tanto lermos e ouvirmos sobre o extraordinário desenvolvimento de vacinas contra a covid-19. O investimento na ciência e o forte financiamento dirigido às principais farmacêuticas permitiram que, menos de um ano decorrido sobre o surgimento da pandemia, tivéssemos vacinas aprovadas pelas entidades reguladoras a chegarem aos braços dos cidadãos.

A nível europeu, todos aplaudimos a decisão de contratação em bloco das vacinas para os países da União Europeia (UE), constatando-se mais tarde que houve demasiado entusiasmo, mas poucas cautelas e escasso rigor na definição de regras e penalizações perante os incumprimentos das farmacêuticas. Quem investiu o dinheiro necessário para o desenvolvimento das vacinas deveria ter blindado melhor os contratos contra leviandades e chico-espertices.

Entre nós, ter-se-á avançado talvez um pouco tarde demais para a preparação e organização de todo o processo logístico e operacional da vacinação. Mais do que a escolha do perfil de liderança para a task force criada, que tanto se discutiu no momento da substituição de Francisco Ramos por Gouveia e Melo, creio que ficaram evidentes as fragilidades em todo o processo: no critério adoptado no estabelecimento das prioridades, nas cautelas que não houve na administração de eventuais sobras, na demora em planear centros de vacinação em massa, na resposta precisa e clara às reacções contrárias à vacinação.

Se compreendo que seria muito difícil reagir de forma diferente ao alarido criado em torno da vacina da AstraZeneca, com avanços e recuos a nível europeu que poderiam ter contribuído para o descrédito de toda a operação de vacinação, já considero incompreensível a aparente desordem na definição das prioridades na administração das vacinas. Entenda-se que não estou aqui a colocar em causa os grupos de cidadãos prioritários. Refiro-me às pessoas que integram os grupos comuns da primeira fase de vacinação - maiores de 80 anos e cidadãos de idade inferior com doenças sinalizadas para o efeito.

Então, primeiro são vacinados os maiores de 80 anos? Não. Conheço vários casos de pessoas com idade inferior a 80 anos que já foram vacinadas quando muitas com mais de 80 anos ainda não o foram. No escalão abaixo dos 80 anos, a prioridade é atribuída pela idade? Não é, porque conheço casos de pessoas com 60 anos vacinadas antes de outras com 79 anos. O critério terá sido o de valorização da gravidade da doença de cada um? Duvido muito que o SNS consiga fazer essa ordenação ponderada quando se vê agora a Ordem dos Médicos a defender que a vacinação deve respeitar o critério da idade, referindo que outro qualquer princípio vai criar injustiças e deixar pessoas para trás, seja porque não estão referenciadas no SNS ou porque a administração do SNS não consegue garantir a comparabilidade entre os doentes identificados.

Nesta altura do processo, ao fim de vários meses de planificação, exige-se total clareza, transparência e equidade na forma como é gerida a administração das vacinas. Perante a perspectiva de uma vacinação em massa nos próximos meses - assim haja vacinas em número adequado! - menos se compreende que os serviços não tenham já definido um critério para vigorar a nível nacional. Veremos o que nos reserva o futuro.

Reconfinados, por nossa conta

José Carlos Pereira, 16.01.21

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Ontem voltámos a um confinamento (quase) geral para travar o crescimento dos números de infecções e mortes por covid-19. A evolução da pandemia nas últimas semanas e as perspectivas para o resto do Inverno a isso conduziram, sob pena de criarmos o caos nos hospitais e perdermos vidas sem fim.

Não sei se o crescimento registado se deveu mais ao abrandamento das medidas no Natal, ao agravamento das condições climatéricas, com temperaturas muito baixas, ou à evolução e adaptação do vírus. Não tenho visto conclusões definitivas a este propósito. A verdade é que algo tinha de ser feito neste momento.

O confinamento de Janeiro/Fevereiro será, contudo, muito diferente do de Março/Abril. No ano passado, o receio e o medo do vírus e do desconhecido fecharam as pessoas em casa. Hoje, muitos portugueses pensam que sabem como limitar os contágios e as infecções e arriscam muito mais a exposição pública. O cansaço relativo às limitações de circulação também acaba por empurrar as pessoas para uma vida "normal".

Ontem, no Porto, durante boa parte do dia, a circulação de pessoas e viaturas mostrava poucas diferenças em relação ao dia anterior. Hoje, durante o meu exercício físico individual pelo campus universitário da Asprela, vi grupos a exercitarem-se em conjunto e pares de amigos e namorados descontraídos nos espaços verdes. Tomar café à porta dos estabelecimentos em grupo virou ponto de encontro de amigos e familiares.

Se é verdade que todos nós consideramos descabidas algumas das dezenas de excepções permitidas pelo Governo, não podemos perder de vista o desafio e a prudência de ficarmos em casa sempre que possível. Quem viu o seu negócio fechado aponta o dedo à excepção que permite que o estabelecimento do vizinho do lado continue aberto, o que até se compreende, mas é fundamental apreendermos que nenhum governo, nenhuma lei vai substituir aquilo que só compete a cada um de nós: adoptar o máximo de bom senso na interpretação do estado em que está o país, a saúde e a economia.

Os hospitais começam a dar sinais preocupantes, com doentes a terem de ser transferidos e outros a esperarem longas horas pelo atendimento. Será que só com imagens chocantes, como as que nos chegaram de Itália ou Espanha em 2020, acabaremos com os abusos que abundam por aí? Convém perceber que se, este confinamento não produzir efeitos, o caminho será o agravamento das medidas, arrastando a economia nacional para uma queda de proporções desconhecidas.

Uma pandemia dentro da pandemia maior…

JSC, 22.10.20

Mais logo, o EIXO DO MAL. Programa que costumo ver, umas vezes em directo, outras em diferido. A temática COVID (mais o folhetim Bloco/OE) tem dominado os últimos programas, como, provavelmente, vai entreter o desta noite.

O EIXO do Mal, com particular ênfase para as intervenções da Drª Clara, tem elogiado o comportamento das pessoas (apesar de ser as transportadoras do bicho) e arrasado o Ministério da Saúde e as conferências (que apelidam de “missas”), que promove diariamente, sendo particularmente visada a Directora da DGS.

Confesso que tenho uma grande admiração e apreço pela Senhora Directora da DGS, a quem devemos reconhecer a paciência infinita como responde às questões dos jornalistas; os conselhos concisos e precisos que incutem confiança e segurança apesar de toda a incerteza que advém desta pandemia em crescendo; a transparência e clareza na mensagem que faz passar.

No entanto, no falar do EIXO, para a Dr.ª Clara, a Directora da DGS (e já agora a Ministra) parece ser a responsável por trazer a pandemia para dentro de portas e por não conter a sua evolução. Seria bom que a Dr.ª Clara e seus companheiros de painel atentassem no que se passa no resto dos países. Vejamos, notícia de hoje, Bélgica, as unidades de cuidados intensivos já atingiram os níveis máximos de capacidade.   França, Rússia, Roménia, Ucrânia e República Checa também estão a aproximar-se de uma situação semelhante.

É caso para dizer que enquanto a Directora da DGS informa, esclarece, acompanha, incute confiança, enfim, está no terreno a dar a cara pela pandemia, outros, no conforto do estúdio, desconsideram a DGS, falam em descoordenação de serviços que desconhecem de todo, enaltecem o comportamento das pessoas para imputar culpas à DGS, dão palpites, fazem jus à maledicência…

É uma pandemia dentro da pandemia maior

EM NOME DOS DIREITOS E LIBERDADES INDIVUDUAIS...

JSC, 19.10.20

Do que ouço, do que leio, parece que vivemos num país à beira do caos, pior, à beira de uma terrível ditadura. Um jornalista (inteligente) pergunta, “a Constituição vai ser suspensa?” O Senhor Bastonário (omnipresente na rádio e na tv) insurge-se contra todas as medidas que surgem no SNS ou porque não estão bem articuladas ou porque não o ouviram ou porque não. Um Administrador Hospitalar anuncia a confusão nos hospitais que ele administra, o esgotamento, porque não foram tomadas as medidas (quais?) que a sua associação terá sugerido. E que dizer dos comentadores, dos fóruns, onde o modo como formulam as questões já induz a resposta, todos fazedores de opinião, que propagam em uníssono que nada está certo, nada esteve certo, que o que aí vem será muito pior, que, por omissão, tudo isto só sucede por estas bandas…

Entretanto, sem todos eles levarem isto em conta, o vírus continua a expandir-se, levado pelas pessoas, pelas famílias, pelos amigos, pelas festas particulares, pelos convívios. O vírus solta-se por aí e todos esses entendidos continuam a bater nas medidas, eles agora até sabem o que deveria ter sido feito em Março e criticam a DGS, a Ministra por não ter feito o que na altura, verdadeiramente, ninguém sabia o que fazer com grande certeza. Uma lástima.

Quanto a colocar o dedo onde dói, o comportamento solto das pessoas, que não levam a sério as medidas recomendadas pela OMS e pela DGS, quanto a isto nada de nada.  Porque é assim? Provavelmente, não devem querer chamar à atenção das pessoas para o cumprimento das regras mínimas de cidadania, para eles isso é uma coisa menor. Em alternativa, sabe-se agora e com grande ênfase, talvez pensem que o cumprimento dessas regras deve ficar ao critério de cada um, em nome das liberdades individuais. Ou seja, em nome dos direitos e liberdades individuais cada um é livre de infectar quem lhe aprouver.

Nota, não incluo nas medidas a tomar por cada cidadão o uso da aplicação de nome inglês de que tanto se fala. Quanto a isto entendo que cada pessoa deve fazer o que a sua consciência ditar. Concordo com o Senhor Bastonário quanto a não ser uma solução milagrosa, mas se contribuir para o SNS identificar eventuais infectados já cumprirá o objectivo.

A máscara e a StayWay Covid

José Carlos Pereira, 16.10.20
Os efeitos da pandemia provocada pela covid-19 agravam-se e não resta alternativa que não seja a implementação de novas medidas de convivência social. Não sendo um apaixonado pelo uso de máscara, que utilizava até aqui em espaços públicos fechados, reconheço que o seu uso ao ar livre em locais muito frequentados pode ajudar a travar a propagação da covid-19.

Já quanto à app StayAway Covid, que desde o início instalei no meu smartphone, confio plenamente no trabalho do INESC TEC, cujos projectos acompanho há muitos anos, bem como na confiabilidade e no potencial da aplicação. Aliás, acredito que muitos dos preocupados com a segurança e a privacidade da app, devem ter os seus smartphones com inúmeras aplicações de proveniência bem mais duvidosa...

Os técnicos e os políticos

José Carlos Pereira, 01.07.20

Vem de longe a discussão acerca da importância da fundamentação técnica subjacente a tomadas de decisão políticas. É verdade que muitos responsáveis políticos, em diferentes níveis, se escondem atrás dos pareceres que recebem dos técnicos que integram as respectivas estruturas. Mas também é certo que muitos técnicos armadilham o processo de decisão política, seja quando não fornecem informação apropriada em tempo útil, seja quando sonegam dados relevantes.

A luta contra a Covid-19 desenrolou-se de forma muito positiva na fase em que foi preciso confinar os portugueses e concentrar esforços no apetrechamento das unidades hospitalares e na resposta do Serviço Nacional de Saúde. Todos rumámos para o mesmo lado, do Governo, às estruturas hospitalares e ao cidadão comum, que muitas vezes teve de abdicar das suas consultas e do acompanhamento que lhe era devido para não desviar meios e recursos da luta contra a pandemia.

Agora que o desconfinamento corre menos bem na Área Metropolitana de Lisboa, sendo evidente há semanas a incapacidade de conter a propagação da pandemia, surgem as primeiras críticas dos políticos às estruturas técnicas que lideram a resposta operacional. António Costa mostrou-se impaciente com a falta de dados que permitam perceber as causas dos surtos verificados em Lisboa e encontrar as medidas adequadas. Rui Rio e Fernando Medina criticaram as insuficiências detectadas nas estruturas da administração mais próximas do terreno. Rui Moreira já o fizera antes a propósito da duplicidade de critérios seguida pela Direcção-Geral da Saúde.

Havendo mais ou menos razões de queixa, neste caso com em tantos outros, os responsáveis políticos pagam sempre o preço das opções que tomam. Os portugueses julgam os respectivos mandatos e fazem as suas escolhas nas eleições. Já no que diz respeito aos técnicos, sobretudo àqueles que ocupam lugares capazes de influenciar a decisão política, o que o cidadão comum exige é disponibilidade, eficácia, prontidão e a autonomia necessária para fundamentarem os seus pareceres e informações. Na luta contra a Covid-19 como em qualquer outro processo da administração pública, local ou regional.

Desconfinando

José Carlos Pereira, 11.05.20

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A primeira semana de desconfinamento trouxe consigo um lento regresso à vida dita normal. Mais trânsito no Porto, ainda que muito longe do que seria habitual e com  estacionamento facilitado. Mais pessoas nas ruas, muitas delas com máscara colocada. Mais afluência aos supermercados, onde todos usam máscara. Muitos desportistas de rua, em corridas e caminhadas por passeios, parques e jardins, pois aos praticantes costumeiros juntam-se agora aqueles que se viram com os ginásios fechados.

A vida profissional retoma aos poucos o seu caminho e a agenda empurrou-me para um compromisso no Douro, onde também se pôde ver como o trânsito e a actividade económica estão longe dos níveis habituais. Mas como soube bem essa viagem...

Estes primeiros dias trouxeram igualmente os reencontros com amigos à volta da mesa. Sem beijos e abraços, mas com alegria e muita vontade de recuperar as semanas de afastamento daqueles que nos são próximos.

No final desta semana que está a começar, será determinante avaliar a evolução do número de pessoas doentes com Covid-19 para vermos se os passos que estamos a dar neste processo de desconfinamento são seguros e sustentáveis, pois o pior que nos poderia suceder era ter de recuar nesta abertura, pausada mas lentamente feliz.

Norte com dois terços dos infectados com Covid-19

José Carlos Pereira, 30.04.20

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A revelação de que a Região Norte volta a registar mais de dois terços dos infectados com Covid-19 sublinha uma realidade que tem intrigado muitos portugueses. Muitas razões concorrem para este resultado numa região que encerra em si muitas disparidades, económicas, sociais e culturais.
Sem necessidade de recorrer a grandes estudos científicos, é sabido que uma maior exposição ao estrangeiro por via da indústria exportadora, dos emigrantes que regressaram em grande número e do turismo, neste caso numa fase inicial de contágio com posterior propagação, ajuda a justificar a maior concentração de casos a Norte, tal como a elevada densidade populacional em muitos centros urbanos, uma população mais envelhecida em outros locais, laços familiares alargados a diferentes gerações que promovem múltiplos contactos intergeracionais e muitas unidades industriais que terão continuado a laborar sem observar todos os cuidados devidos, entre outras razões.
A surpreendente diferença nos números registados no Norte e em Lisboa e Vale do Tejo, que a muitos surpreende, encontra uma pertinente justificação adicional quando comparamos, sem qualquer tom depreciativo, a fortíssima concentração de funcionalismo público em torno da capital com o perfil industrial do litoral Norte, muito menos propício ao recolhimento e ao isolamento protegido (do vírus e dos cortes salariais) no conforto do lar.