A greve que a direita adoptou
Espera-se hoje pelo resultado das primeiras conversações mediadas pelo Governo entre a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) e o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP), na sequência da suspensão da greve por esta estrutura sindical no passado domingo. Ao fim de uma semana de greve, com custos elevados para o país, que aumentariam exponencialmente se a paragem continuasse, imperou o bom senso entre as partes, que aceitaram voltar a sentar-se à mesa para negociar condições salariais para...2021.
Muito se discutiu sobre quem ganhou e quem perdeu com a greve e com o final da mesma. Creio, no entanto, que o essencial neste momento é pacificar o sector e tranquilizar os portugueses, designadamente os sectores económicos dependentes do transporte rodoviário de mercadorias. Com a greve, todos ficámos a conhecer melhor as práticas laborais e os padrões remuneratórios vigentes e é claro que há muito a rectificar no sector, por muito que isso custe a patrões e trabalhadores. Os horários prolongados, que se tornaram habituais para aumentar o rendimento líquido, acabam por colocar em causa a segurança do transporte e travam a contratação de mais trabalhadores pelas empresas. A prática de vencimento base muito baixo, alavancado por subsídios e mais subsídios, resulta numa subtracção dos impostos devidos por ambas as partes, com prejuízos a jusante para os trabalhadores que se vêem perante a iminência da reforma ou de situações de baixa médica. A mediação do Governo deve ter presente todas estas questões.
Quanto à análise política sobre a forma como Governo, oposição e sindicatos enfrentaram a greve, é justo reconhecer aquilo que foi sendo mencionado pelos comentadores e analistas mais isentos: o Governo fez o que tinha a fazer. Depois do que se passara em Abril, aquando da primeira greve, o executivo não podia correr quaisquer riscos perante uma greve por tempo indeterminado. O mal está na dependência do país perante o transporte rodoviário de mercadorias e matérias perigosas, não está no plano que o Governo desenvolveu para evitar que Portugal ficasse refém de algumas centenas de motoristas. A fixação dos serviços mínimos, a requisição civil e o recurso a militares e agentes de autoridade mostrou um poder político interveniente e activo na defesa do interesse nacional, o que sossegou os portugueses.
A oposição com responsabilidades institucionais, de um modo geral, foi moderada nas suas apreciações à forma como o Governo actuou porque sabia que a forma de responder à greve não poderia ser muito diferente. Mesmo nos partidos mais à esquerda, após a federação sindical ligada à CGTP ter concluído o seu acordo com a ANTRAM, não havia razões para defender uma greve que, no final, já só era mantida pelo SNMMP, uma estrutura sindical independente que mais tem parecido estar ao serviço da estratégia de promoção pessoal do seu advogado e vice-presidente, Pardal Henriques, que aparentemente descobriu o púlpito certo para encetar uma carreira política no partido de Marinho Pinto.
Quem gostou mesmo da greve, quem se bateu por ela, criticando fortemente o Governo e até a "candura" dos partidos da oposição, foi a direita profunda, a direita inorgânica que não se revê no PSD nem no CDS, que se considera incompreendida pelo país e desconfia da capacidade de afirmação dos novos partidos de direita. Essa direita, que inclui por vezes alguns militantes do PSD e do CDS que nunca aceitaram a "geringonça" e verdadeiramente odeiam, é o termo, António Costa e a sua solução de Governo, combate nas redes sociais e em alguma imprensa, mas estão arredados do país real e das suas preocupações. Essa direita adoptou Pardal Henriques e o seu sindicato, mas mais uma vez não obteve ganho de causa.