Passos Coelho pulou a cerca
O antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho parece ter-se cansado do silêncio e recato a que se votou durante bastante tempo e que até tinha reforçado a simpatia que muitos sectores da direita democrática nutriam por si. Contudo, nos últimos meses algo mudou e Passos Coelho tem surgido em público com mais frequência, a querer marcar a agenda da sua área política, mesmo que isso seja um entrave à liderança do PSD.
Passos Coelho foi infeliz quando veio dizer que António Costa saiu por "indecente e má figura", deixando claro que tem contas por acertar com o ex-líder socialista desde que em 2015 se viu apeado do governo. Mais tarde, o antigo primeiro-ministro não temeu perturbar a campanha de Luís Montenegro ao associar imigração e insegurança, à boa maneira da extrema-direita, incentivando Montenegro a fazer tudo o que fosse preciso para assegurar a maioria, acolhendo se necessário o contributo do Chega e de André Ventura.
Agora, e em definitivo, Passos Coelho, pulou a cerca para a área da direita mais conservadora e reaccionária, nas ideias, nos costumes e nos valores. Ao apresentar o livro "Identidade e Família", Passos Coelho colocou-se do lado dos que olham de esguelha para o papel da mulher na sociedade e para a legislação do divórcio e são contra o direito ao aborto, a eutanásia, o casamento e a adopção por pessoas do mesmo sexo e a educação para a cidadania na escola pública, que procura preparar os mais novos para a diversidade dos dias de hoje. Esses sectores falam da família como se tivéssemos recuado 60 anos e erigem a dita "ideologia de género", seja lá isso o que for, como o maior mal das nossas sociedades.
Ver Passos Coelho aos sorrisos e cumprimentos com André Ventura e Diogo Pacheco de Amorim nesse evento, com palavras de incentivo a uma intervenção dialogante no parlamento, foi a cereja no topo do bolo, levando ao êxtase a extrema-direita "intelectual" que campeia pelas redes sociais. Ainda bem que não faltaram vozes dignas e qualificadas da direita e do PSD a distanciarem-se do discurso de Passos Coelho e das ideias veiculadas pelo livro. Portugal avançou e não deixará que se recue em valores fundamentais.
Nos últimos anos, costumava dizer que a mais valia de um eventual regresso de Passos Coelho seria fazer secar o Chega, recuperando boa parte do seu eleitorado para o PSD. Já não digo isso. Passos Coelho não vê mal no Chega e até parece contar com o partido de Ventura para os seus projectos políticos de futuro. O país saberá responder.