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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Passos Coelho pulou a cerca

José Carlos Pereira, 10.04.24

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O antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho parece ter-se cansado do silêncio e recato a que se votou durante bastante tempo e que até tinha reforçado a simpatia que muitos sectores da direita democrática nutriam por si. Contudo, nos últimos meses algo mudou e Passos Coelho tem surgido em público com mais frequência, a querer marcar a agenda da sua área política, mesmo que isso seja um entrave à liderança do PSD.

Passos Coelho foi infeliz quando veio dizer que António Costa saiu por "indecente e má figura", deixando claro que tem contas por acertar com o ex-líder socialista desde que em 2015 se viu apeado do governo. Mais tarde, o antigo primeiro-ministro não temeu perturbar a campanha de Luís Montenegro ao associar imigração e insegurança, à boa maneira da extrema-direita, incentivando Montenegro a fazer tudo o que fosse preciso para assegurar a maioria, acolhendo se necessário o contributo do Chega e de André Ventura.

Agora, e em definitivo, Passos Coelho, pulou a cerca para a área da direita mais conservadora e reaccionária, nas ideias, nos costumes e nos valores. Ao apresentar o livro "Identidade e Família", Passos Coelho colocou-se do lado dos que olham de esguelha para o papel da mulher na sociedade e para a legislação do divórcio e são contra o direito ao aborto, a eutanásia, o casamento e a adopção por pessoas do mesmo sexo e a educação para a cidadania na escola pública, que procura preparar os mais novos para a diversidade dos dias de hoje. Esses sectores falam da família como se tivéssemos recuado 60 anos e erigem a dita "ideologia de género", seja lá isso o que for, como o maior mal das nossas sociedades.

Ver Passos Coelho aos sorrisos e cumprimentos com André Ventura e Diogo Pacheco de Amorim nesse evento, com palavras de incentivo a uma intervenção dialogante no parlamento, foi a cereja no topo do bolo, levando ao êxtase a extrema-direita "intelectual" que campeia pelas redes sociais. Ainda bem que não faltaram vozes dignas e qualificadas da direita e do PSD a distanciarem-se do discurso de Passos Coelho e das ideias veiculadas pelo livro. Portugal avançou e não deixará que se recue em valores fundamentais.

Nos últimos anos, costumava dizer que a mais valia de um eventual regresso de Passos Coelho seria fazer secar o Chega, recuperando boa parte do seu eleitorado para o PSD. Já não digo isso. Passos Coelho não vê mal no Chega e até parece contar com o partido de Ventura para os seus projectos políticos de futuro. O país saberá responder.

Perspectivas para 2023

José Carlos Pereira, 12.01.23

Na edição de hoje do jornal "A Verdade", publico um texto de opinião acerca dos desafios que se colocam ao país no novo ano:

"O novo ano que agora se inicia é fortemente marcado pelos efeitos decorrentes da evolução da situação internacional em 2022. A guerra na Ucrânia, a crise energética, a ruptura das cadeias de fornecimento, a escassez de matérias-primas, a inflação, a subida das taxas de juro e a perda do poder de compra mudaram a vida dos portugueses e do mundo ocidental em geral.

A invasão da Ucrânia pela Federação Russa veio acelerar bloqueios que já se faziam sentir de forma mais ténue, nomeadamente no contexto do crescente afastamento entre os Estados Unidos da América e a China. O ano de 2022 representou uma recuperação forte de vários indicadores da economia internacional face aos anos da pandemia criada pela covid-19, mas trouxe realidades de que muitos de nós já não tinham memória, como a subida galopante da inflação e das taxas de juro ou a escassez de determinados bens de consumo.

Se centrarmos a nossa análise no caso português, vemos que a economia nacional respondeu em 2022 de forma muito positiva, contando com o contributo essencial das exportações. A última estimativa revelada pelo ministro das Finanças indica que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 6,8%, o segundo maior crescimento da União Europeia (UE), apenas atrás da Irlanda.

Mas ninguém esperava assistir a uma inflação média anual de 7,8%, um número verdadeiramente impensável no início do ano transacto, nem a uma subida dos juros com tamanho impacto na dívida pública e privada. Recorde-se que a taxa directora do Banco Central Europeu, que estava em zero no início de 2022, cresceu até aos 2,5%, com tendência para ainda vir a aumentar. O nosso país, de resto, já sentiu na pele o aumento dos juros quando teve de emitir nova dívida pública, triplicando o respectivo custo ao longo de 2022. Empresas e particulares viram também crescer de forma significativa o custo dos seus créditos.

Para o corrente ano de 2023, o Banco de Portugal prevê um crescimento dos preços de 5,8% e uma forte desaceleração do crescimento do PIB (1,5%), com uma progressão residual do consumo privado. A perda do poder de compra dos portugueses advém não só da subida da inflação e dos juros, mas também do facto de apenas um reduzido número de empresas admitir subir os salários reais dos seus trabalhadores.

Com este quadro pouco animador, num mês de Janeiro que começa com aumentos generalizados, importa reflectir sobre o que se pode esperar dos poderes públicos, designadamente no estímulo e no apoio a cidadãos e empresas.

Portugal deve ser capaz de tirar proveito dos esforços feitos nos últimos anos na consolidação das contas públicas. O facto de alcançar um défice público inferior a 1,5%, como se antecipa para o final de 2022, e de sair do grupo restrito dos países com maior dívida pública, registando um valor inferior a 115% do PIB, deixa o Governo em melhores condições para apostar em investimentos estruturantes para o país e em apoios direccionados às empresas e às pessoas, sobretudo às mais fragilizadas.

Neste início de 2023, Portugal tem pela frente o desafio de conseguir executar na plenitude o que resta do Portugal 2020, colocar em marcha o Portugal 2030, recentemente aprovado pela UE, e acelerar os investimentos do Plano de Recuperação e Resiliência. O conjunto destes três instrumentos coloca à disposição do país, só durante o corrente ano, cerca de 15 mil milhões de euros.

Ao Governo caberá a responsabilidade maior pela aplicação destes fundos e pela bondade dos investimentos apoiados. O país não pode desperdiçar a oportunidade de ultrapassar os obstáculos e limitações que se colocam ao nosso desenvolvimento nos mais diversos sectores da economia e da sociedade.

Ao nível local, as Comunidades Intermunicipais e os Municípios têm um papel determinante na implementação de projectos ambiciosos e impulsionadores do desenvolvimento dos territórios. A gestão de proximidade faz com que os seus responsáveis políticos tenham um conhecimento mais aprofundado dos investimentos prioritários e das necessidades sentidas pelas populações.

Sem perder de vista as questões sociais e o apoio aos mais desfavorecidos e aos excluídos, o poder local tem hoje pela frente o desafio de atrair e fixar talento, de modo a conseguir criar condições para captar investimento e emprego qualificado. A sustentabilidade dos territórios reclama uma economia local com empresas líderes nos seus sectores de actividade, inovadoras e alinhadas com os melhores padrões dos mercados internacionais.

A todos desejo um excelente ano de 2023!"

Cem anos de Adriano Moreira

José Carlos Pereira, 06.09.22

Completa hoje 100 anos Adriano Moreira, uma das personalidades mais consensuais da sociedade portuguesa, o que é admirável para quem fez o seu percurso - de ministro na ditadura a líder partidário, deputado e conselheiro de Estado em democracia. As reflexões sempre atentas, o pensamento estratégico sobre o papel de Portugal e a verticalidade que o caracterizam marcaram de forma indelével todos os que foram acompanhando as suas intervenções no espaço público ao longo das últimas décadas. Uma vida plena ao serviço de Portugal.

O aborto nos EUA e...no Portugal dos anos 80

José Carlos Pereira, 10.05.22
A polémica gerada nos EUA, com a previsível (e retrógada) deliberação do Supremo Tribunal de anular a decisão que reconheceu, em 1973, o direito ao aborto, fez-me recuar até ao Portugal dos anos 80. De facto, só em 1984, com um governo suportado pela maioria PS/PSD, é que foi possível viabilizar a interrupção voluntária da gravidez (IVG), designadamente no caso de haver perigo de vida para a mulher, risco de lesão grave para a saúde da grávida, malformação do feto ou então em resultado de violação.

Foram tempos de discussão muito acesa entre defensores e oponentes da legislação que acabou por permitir a IVG. Lembro-me particularmente de uma sessão realizada na sede do CDS de Marco de Canaveses, em que fui convidado a participar pelo meu saudoso amigo J.M. Coutinho Ribeiro, na qual me bati de forma acérrima em defesa da IVG contra Teresa da Costa Macedo, que tinha sido secretária de Estado da Família nos governos da AD e era uma das principais opositoras públicas da IVG. Aos 18 anos, somos donos do mundo e nada pára as nossas ideias...

Francisco Assis novo presidente do Conselho Económico e Social

José Carlos Pereira, 12.07.20

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Francisco Assis foi eleito na sexta-feira pela Assembleia da República como novo presidente do Conselho Económico e Social (CES). O ex-eurodeputado socialista alcançou uma votação significativa, que reforça as condições de que dispõe para o exercício de um cargo muito importante nos tempos mais próximos.

A larga experiência política de Francisco Assis, a sua formação humanista e a sensibilidade social de que sempre deu provas constituem, a meu ver, factores que contribuirão certamente para um bom desempenho na presidência do Conselho Económico e Social. No futuro próximo, com as consequências económicas e sociais da pandemia a dificultarem as condições de vida dos trabalhadores e a relação dos parceiros sociais com o Governo, a intervenção do presidente do CES pode ser muito útil para ajudar a construir pontes e arbitrar interesses tantas vezes divergentes, sem diminuir o poder da palavra que está reservado a quem dirige aquele órgão.

Muitas vezes não tenho estado de acordo com Francisco Assis, nomeadamente na forma como avaliou a geringonça e as possibilidades de diálogo e de entendimento do PS com os partidos à sua esquerda, por um lado, e com o PSD, por outro. Mas isso não impede que continue a considerá-lo um dos principais activos da esquerda democrática, opinião que fui consolidando nas várias oportunidades que tive de conviver com Francisco Assis em contextos mais reservados e distendidos.

Eutanásia - Sim à despenalização

José Carlos Pereira, 21.02.20

As questões que envolvem a despenalização da eutanásia não são simples. Mexem com valores profundos e com a consciência de cada um. Não é matéria de esquerda ou de direita, como aliás se tem visto pelo posicionamento de alguns partidos e dirigentes.

Posto isto, merece um aplauso a forma como os partidos se apresentaram neste processo e como o discutiram serenamente na Assembleia da República, independentemente das posições defendidas. Os cinco projectos que estavam a votação foram aprovados na generalidade e segue-se agora o processo legislativo na especialidade, que se espera também ele sereno.

Quem, como eu, viveu de muito perto, na juventude e adolescência, o processo de degradação física e mental de familiares próximos percebe como é difícil lidar com situações terminais. Cada caso é um caso e creio que ninguém está em condições de impor soluções a outrem, mas fico confortável ao ver despenalizada a eutanásia para aqueles que, de forma consciente e acompanhada por profissionais especializados, pretendem colocar termo ao sofrimento incomportável e à doença irreversível. Pôr fim à vida nessas circunstâncias é um acto simultaneamente de desespero e de consciência plena. De dor infinda. Mas que não pode ser crime para quem opta por esse caminho.

Sou do tempo em que o sindicalismo era uma actividade nobre, de intervenção…

JSC, 12.03.19

Sou do tempo em que o sindicalismo era uma actividade nobre, de intervenção…

Nos dias de hoje olhamos para muitas práticas sindicais e só podemos concluir pela perversão do movimento sindical, tomado de assalto por pessoas que, verdadeiramente, nunca foram confrontadas com o problema da perda do emprego, com a exigência da pontualidade, da produtividade. Estou a falar de pessoas que têm no sector público a sua zona de conforto, exactamente o sector onde não se observa, directamente, o confronto entre o dono do capital e o trabalhador em si mesmo.


Deve ser por isso que é neste sector que estão a surgir as maiores aberrações sindicais. Os partidos, todos os partidos, não podem continuar a fechar os olhos a esta realidade perniciosa, que acabará por ser contrária ao próprio movimento sindical e aos princípios que deve prosseguir.


Há dias um presidente de um sindicato decidiu fazer uma greve de fome. Onde? À porta do Presidente da República.


Hoje, um presidente de outro sindicado decide iniciar uma greve de fome. Onde? À porta do Presidente da República.

 

Como parece óbvio, estas pseudo greves de fome não passam de um reality show, a clamar a atenção do Presidente e, em especial, dos tempos televisivos.

 

Por se tratar de um reality show, não nos devemos preocupar com o assunto, até porque o estado de saúde destes grevistas não correrá perigo, em momento algum.

 

O que nos deve mesmo preocupar e levar a questionar os decisores políticos é como é possível que os contribuintes paguem, ano após ano, mais de 36 mil dias de faltas ao serviço para que milhares de policiais desenvolvam a sua actividade sindical? Só na PSP há 17 sindicatos, 3680 dirigentes mais os delegados sindicais.

 

Quando ouvimos (e ouve-se demasiadas vezes) um destes sindicalistas dizer que as esquadras não têm agentes para fazer rondas, para reforçar a vigilância, não seria de lhe perguntar quantos polícias, nesse dia, nos últimos dias, faltaram ao serviço para desenvolver actividade sindical? E, já agora, que actividade é essa que obriga milhares de agentes?

 

É para esta realidade que se deveria olhar e tratar. O show da greve de fome é isso mesmo, um episódio de televisão.