sonhar a terra livre e insubmissa 2
Originalidades eleitorais
Uma das candidaturas mais curiosas que me foi dado conhecer ao longo destes muitos anos de presidenciais é a do dr. Fernando Nobre. Eu conhecia o distinto clínico não de ser seu doente mas de o saber animador e fundador da AMI. Não conhecendo em pormenor a organização sempre, no entanto, tive dela boa opinião. Por muito ou pouco que fizesse, algo fazia e isso me bastava (e basta).
Todavia, a AMI, por muito virtuosa que seja (e certamente é), não implica que o seu fundador deva alcandorar-se a Presidente da República Portuguesa, apenas por o ser. E verdade que qualquer cidadão no pleno gozo dos seus direitos cívicos, cumpridas que forem algumas condições (assinaturas de um número importante de cidadãos proponentes, por exemplo), pode concorrer. Convém ter propostas políticas, coisa mais complicada, como se verá, porque a Presidência não é exactamente o jogo dos quatro cantinhos.
Ora, é aí que bate o ponto. Eu, porventura cego e surdo, nunca vi nem ouvi uma opinião política ao dr. Nobre. Não que o senhor, volta que não volta, não aparecesse nas televisões a falar da AMI e, eventualmente, dando boleia a uma qualquer opinião sobre a situação actual. Mas mesmo isso, era tão ligeiro, tão inconsútil (obrigado Manuel Bandeira) que tudo o que era dito pelo actual candidato parecia uma versão descolorida e menor do poema “as três mulheres do sabonete Araxá” (outro obrigado M.B.).
Vejamos entretanto o que se pesca da personagem. Nobre afirma-se monárquico o que não é pecado mas, apenas, uma mera teima num país que leva 100 anos de atribulada república e de dessorada ou inexistente oposição monárquica. Em termos de futebol e de adeptos, a causa da monarquia andaria por uma longínqua e desconhecida divisão distrital tão escassos são os militantes e activistas. De resto, boa parte, senão quase toda, da actividade política destes abencerragens reconduz-se a uma Direita esquálida que se junta no 1º de Dezembro e normalmente enfeita os partidos da mesma Direita. São poucos, inócuos e irrelevantes.
Antigo e fervoroso apoiante de Cavaco, Nobre não consegue explicar racionalmente as razões que o levam a opor-se ao actual Presidente da República. não que não faltem (as razões) mas, no caso em apreço, parece que as motivações de tal reviravolta, ficaram num dúbio tinteiro.
Quanto ao resto, nas confusas e patéticas declarações que produz, Nobre consegue mesmo fazer-nos duvidar se é de direita, quanto mais de esquerda. Dá a ideia que Nobre sobre a questão diz “nim” (ou melhor: nim, catrapim!) A sua candidatura, fora o pormenor picante de atrasar o pagamento de uma mensalidade do aluguer da sede, com o extravagante argumento de que depois de lá estar há já uns tempos havia que discutir as áreas e o respectivo preço delas por metro quadrado, apresenta apenas um pormenor interessante: os abencerragens do dr Mário Soares estão fervorosamente nela como aliás a extremosa mãe, esta apenas no papel de “amiga” de longa data. Sic transit gloria mundi...
Falta o dr Soares mas é duvidoso que dê tal passo. Ou que o dê explicitamente... Todavia, consta fortemente, nos mentideros habituais que se alguém promoveu o sopro de vida ao pedaço de barro que Nobre (como todos nós em algum momento) é, esse alguém foi o antigo fundador do actual P.S. (actual e não o de Antero de Quental, partido morto de inanição durante os tumultuosos dias da 1ª república onde serviu de peão de brega aos afonsistas e ganhou um perdurável desprezo dos sindicalistas que o viam como cúmplice do ataque às organizações laborais).
Neste aspecto, o da política vivida, discutida e lutada, o dr. Fernando Nobre parte, pois, com um forte handicap mesmo em relação ao dr. Defensor de Moura, político paroquial que subitamente se descobriu uma vocação nacional. Dele se falará numa próxima ocasião, se valer a pena.
Tirando o facto de aparecer (como Defensor aliás, também) como fixador de votos contra Alegre, não se vê a razão, o relevo, ou a necessidade desta candidatura. Ou seja, temos que esta aventura é o vácuo em estado puro, que mesmo com boa vontade e alguma sensata convicção de que isso não será pecado, parece definitivamente pouco, muito pouco, para vir ocupar as primeiras páginas dos jornais nos próximos dias.
* o autor tem patente no 1º texto desta série (que será limitada ao tempo da campanha eleitoral) uma declaração de interesses que algum leitor mais interessado poderá consultar.