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Incursões

Instância de Retemperação.

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sonhar a terra livre e insubmissa 3

d'oliveira, 12.12.10

 

Patriótica e de esquerda!

Acabo de ver um cartaz de propaganda eleitoral que reza assim: uma candidatura patriótica e de esquerda. E em grande plano o nome do cidadão Francisco Lopes que, se não me engano, é um influente membro do Partido Comunista.

Não quero aqui dar lições ao militante Lopes que, apesar de ser um perfeito desconhecido para a imensa maioria dos portugueses, é, informam-me, uma proeminente personagem no “aparelho” do PCP. Todavia, recordo, sem amargura ou satisfação, o tempo em que os partidos comunistas (que se chamaram assim, a partir do momento em que a Internacional Comunista – Komintern – impôs as famosas 21 condições aos partidos que a quisessem integrar) acusavam o “social-patriotismo” (e o “social-pacifismo”!!!... ).

Ver agora caracterizar a sua candidatura de “patriótica” é uma surpresa e, quiçá, um progresso.

Só que, também aqui, algumas dúvidas se me levantam.

Sabendo, como sabemos, como os slogans funcionam, pode ocorrer a alguém que este “patriotismo” dos antigos admiradores do “sol na terra” queira significar que os seguidores de Lopes (e Lopes, ele mesmo) entendam que as restantes candidaturas não são patrióticas. Cavaco, Alegre, e os dois putativos candidatos Nobre e Moura seriam uma espécie de apátridas, de renegados, uns vagos e inconclusos “Miguel de Vasconcelos” ao serviço sabe-se lá de que tenebroso (mas anti-nacional) projecto. Todavia, pode acontecer que ao juntar “de esquerda” à palavra “patriótica” os Lopes-comunistas e patriotas apenas quisessem dizer que os restantes candidatos não eram de esquerda. Que o dr Cavaco não seja, parece uma evidência tão clara que exclui-lo não serve para nada nem acrescenta nada à putativa esquerda de Lopes. Nobre, consabidamente monárquico e antigo e fervoroso apoiante de Cavaco, não poderá também ser especialmente atingido. Nobre, de resto, nas confusas e patéticas declarações que produz, consegue mesmo fazer-nos duvidar se é de direita, quanto mais de esquerda.

De Defensor de Moura, pitoresco minhoto e antiga celebridade de nível paroquial, ungida pelo PS sempre se poderá dizer que a criatura sendo do PS alguma coisa de esquerda (pelo menos teoricamente, claro) teria. Duvidando da sua falta de patriotismo ou da sua versão vianesa (como as noivas) temos que o pobre homem não é suficientemente importante para o PC lhe dedicar mais do que um comunicado a nível local, da autoria da organização municipal do partido.

Resta Alegre. Pelos vistos ou não é de esquerda ou não é patriota. No segundo caso, estaria, com noventa anos de atraso, a cumprir a condição 6ª das famosas condições já citadas. Porém, essa condição “ser contra o “social patriotismo” pretendia justamente qualificar a esquerda internacionalista contra a direita constituída por socialistas tíbios.

Mas, admitindo que o candidato Lopes aceite (como provavelmente irá aceitar, no caso de uma segunda volta) o esquerdismo de Alegre teremos que ele duvida do patriotismo deste. Alegre, como é sabido, além de politico, é poeta. E, como poeta, escreveu um par de poemas, um largo par, onde redime a palavra “pátria” caída em desuso e desgraça pela tonta formulação de uns tontos “revolucionários” que conseguiram deitar fora a criança com a água do banho. Alegre, durante anos a fio, foi justamente acusado de ser patriota quando, como intelectual e revolucionário, deveria ser outra coisa vagamente cosmopolita e desnacionalizada. Sem cor, sabor ou cheiro como a água destilada...

Mas voltemos á vaca fria. Durante anos e anos, o PCP seguiu o farol soviético com constância, empenhamento, teimosia. O PC da URSS, a própria URSS eram o sal da terra, o sol na terra. Assim, sem tremer nem balbuciar. Isto não é uma acusação mas apenas e só uma constatação. Basta reler os Militante, Avante, o falecido Diário (a verdade a que eles tinham direito) e a propaganda escrita que distribuíam profusamente.

Agora num volte face comovedor aparecem vestidos de patriotas jurar que são a esquerda, toda a esquerda, a única esquerda. O que, a ser verdade, dados os votos que vão recolhendo, significa que estamos num pais retintamente de direita. A 90%! Livra, que susto!

Às vezes, dá-me para pensar que o PCP usa estas campanhas para fazer humor: aquilo, lá dentro, deve ser tão sisudo, tão sério, tão chato, que em chegando as eleições, sobretudo esta, eles entendem que isto é “para reinar”. Reinar no sentido de divertir-se e não no de governar, coisa mais do apreço de Nobre o monárquico cavaquista que, subitamente, perante os nossos maravilhados olhos, se traveste de republicano anti Cavaco. Deus o conserve assim, tão surpreendente e mimoso. O país precisa disto que o Carnaval ainda vem longe e os dias que vivemos são assaz tristonhos.

Ao ler as declarações de assanhado patriotismo de Lopes, lembro-me comovido e grato de Eça. De Eça que comentava, contra Pinheiro Chagas, que o patriotismo luso produzia poucos patriotas mas muitos patriotaços e outros tantos patrioteiros.

Ai como Eça é actual... e como Lopes e a sua tosca campanha parecem tão século XVIII, em versão trauliteira e Agostinho de Macedo (mas em pior português...)

 

Declaração de interesses: Os leitores foram avisados logo na primeira crónica desta série que o autor é amigo de longa data de Manuel Alegre e seu apoiante. O que, se não o impede de ver as coisas com olhos de ver, pode sempre parecer a alguém uma encapotada propaganda eleitoral. Estejam descansados: isto é mesmo um texto de apoio. A Alegre, claro. Mesmo se, noutra circunstância (uma não candidatura), seria escrito da mesma maneira, palavra por palavra. A Lopes o que é de Lopes...