Uma manhã como as outras
O cortinado entreaberto lançava o sol no amplo espaço do quarto.
Al entre o inebriamento do sono e o encantamento pela claridade levantou-se e olhou empenhadamente a paisagem.
O Tejo em largo lençol acinzentado revelava uma tranquilidade capaz de paralisar o pensamento. As nuvens altas e finas permitiam o nascer do sol sobre a ponte Vasco da Gama reflectindo-se fortemente no rio. Na rua quase deserta, nem carros nem pessoas.
Usufruía um bem-estar inopinado a olhar aquela paisagem e a sentir o calor dos jovens raios solares, filtrados pelos vidros da janela, lambendo o seu corpo nu. Recordou-se dos climas tropicais. Era assim, com aquela claridade e tranquilidade da paisagem que acordava em quarto de pé alto sem obstáculos à entrada plena da força da natureza.
Voltou a deitar-se.
Sentiu nas suas costas o aconchego quente da companheira ainda adormecida e atraída pelo seu corpo. Os peitos cheios marcando presença, a anca roçando, as pernas entrelaçando-se com as suas, num jogo mímico de dedos de pés. A volúpia tomava posse do seu sentir, prolongando o afago dos raios de sol.
Entre beijos e carícias, usufruindo de cada centímetro de roçar de pele, os corpos estremeceram na alegria da dádiva do egoísmo do prazer.
Sentia-se bem.
O fim-de-semana fora dos seus lugares comuns, o espaço claro daquele quarto de hotel, a fragrância dos corpos, o chuveiro forte chicoteando-lhe a pele, talvez aquele vago sentimento indefinido de tropicalidade, permitia-lhe usufruir por segundos a eternidade de um contentamento muito especial. Talvez nem melhor nem pior que outros, mas fugindo do presente, mas intensamente diferente, mas estonteantemente apaziguador.
Depois de dormir um pouco mais, desfolhou o livro e sonhou. Acordou com o movimento de Mila, que se desenrolava no aproveitamento integral da alcova. Levantaram-se, arranjaram-se e prepararam-se para ir tomar o pequeno-almoço.
A sala tinha ainda poucos hóspedes no habitual cerimonial de se alimentarem. Uma inglesa exprimia alto os seus pensamentos, dois casais formavam casulos, os funcionários acolhiam-nos solícitos. Tudo se desvaneceu para Al ao deparar com uma jovem, sozinha numa mesa, que o olhou num misto de indiferença e atenção. Corpo esguio, cabelos aloirados caindo sobre os ombros, com um olhar que o fazia estremecer. Uma melancolia inopinada sobrevoou Al.
Nunca a tinha visto e era como se a conhecesse há muito. Perturbava-o e comportava-se como se nada tivesse acontecido. Não sentiu nenhum calor, nenhuma ansiedade, mas antes uma vaga serenidade plena de angústia.
Al e Mila ficaram numa mesa próxima, mas sem visibilidade adequada para o centro da sua perturbação. Puro acaso, sem regras acordadas. Al vislumbrava-a atraído pela ambiguidade. Passado alguns minutos a hóspede levantou-se, virou-se ligeiramente, ondulou o corpo e saiu.
Tinha a certeza que nunca a tinha visto e no entanto aquela melancolia sorridente, aquela feminilidade eram-lhe muito familiares.
Al ficou perturbando, esvoaçando pelo infinito do tempo e a imensidão do espaço, impregnado da humidade tropical.