O meu colega de blogue (o “agualisa6.blogs.sapo.pt” de obrigatória leitura para quem goste de perceber o mundo em que vive) João Tunes apanhou-me naquela postura balnear aí em baixo e zás mostrou-me aos leitores dele. e pergunta-se como é que é possível ler na praia. Aqui se responde que este pin-pong inter-blogs é um desporto que não cansa e que distrai.
Meu caro João Tunes
Fico a saber que V lê em toda a parte ou quase excepto na praia. Aí, desculpará mas eu ganho-lhe. Leio rigorosamente em toda a parte, retrete excluída, apesar de alguma vez o ter feito mas sem entusiasmo. Não sou como um padrinho do Joaquim Pais de Brito que até tinha uma estante nesse local. E carregada de bons livros, garantia-me o Quim. Ainda um dia hei-de de estudar esse fenómeno: que livros são aconselháveis, que tempo de leitura, quanto tempo etc...
Você fala-me do vento, da areia batida e doutros desastres próprios do nosso litoral oeste como impeditivos da leitura. Confesso-lhe que fiquei a meditar nisso porque para mim, criado na praia de Buarcos, o vento norte, a “nortada” é sinónimo quase obrigatório de Agosto. Confesso que não desgosto duma brisa no meio da “calorina” da praia. Coisas que se apanham em pequeno, decerto. Sei que V vive nesse “deserto”, que um ex-comunista reconvertido às obras públicas pesadas inventou, mas ignoro se V vive na costa ou pacificamente numa desses aduares à beira de palmeiras e uedes sob a sombra de algum minarete arruinado e reconvertido em ninho de cegonhas ou suporte de antena de telemóveis. Porque a margem sul (belo nome, pelo menos para mim, claro) tem, por um lado ,o rio já quase mar e, do outro, o mar propriamente dito.
Portanto explicar-me-ei baseando a minha tese de que V. vive mais para o lado do rio. Eu, caro amigo, para ler na praia preciso de dois requisitos: sombra e cadeira para sentar o cadáver. Havendo isso, leio tudo o que apanho à mão embora, à cautela, parta para férias já com um carregamento de livros que infelizmente aumenta pois eu não consigo estar por ali sem ir às livrarias se as houver, ou a cidades onde as haja em caso contrario. Sou um leitor compulsivo e quase omnívoro. O vento, se moderado, ajuda-me a não ter calor. As especiais antenas de que nós homens somos providos, avisam-me da passagem de banhistas interessantes porque ler só sem mais nada pode fazer mal. Assim sempre descanso os olhos gastos e só peco em pensamento.
E que livros?, perguntará V. Pois romances, alguma história, um ensaio ligeiro. E farta dose de policiais, claro. Este ano aviei dois Camilleri, outro tanto de Dona Leon e Elmore Leonard.
E o jornal, ia-me esquecendo: o “El País”. De cabo a rabo, palavras cruzadas incluídas.
Compreendo, todavia, as pessoas que não se dão na praia. Eu, aliás, aguento no máximo três horas e está feito. Dever cumprido. À uma, o mais tardar, levanto o acampamento e vou almoçar. Nesta praia, isso significava andar cinquenta metros subir uma dúzia de degraus e acolher-me a uma esplanada agradável com uma lista decente e barata. Seguidamente uma sesta, banhinho em casa, um café e o resto da tarde para continuar uma tradução dum excelente romance que tenho de entregar.
A segunda parte da sua carta punha uma questão curiosa. Agora é quase obrigatório gostar-se de praia. E ir para lá. E tomar banho de mar mesmo que a água esteja fresca até para pinguins. Hoje parece mal não ir para um desses paraísos vagamente tropicais, estorricar ao sol, regressar bem pretinho e sem perceber em que país se está ou esteve. Provavelmente as pessoas acharão que as férias são isto e que o resto não importa. Alguém me disse uma vez que em férias não quer preocupar-se. Eu também não. Só que mesmo em Agosto o mundo rola e alguma coisa acontece. Sobem os preços, governos tomam decisões cruciais sabendo que a malta está distraída a molhar o pé e, em contados casos invade-se a Checoslováquia ou dá-se um golpe militar no Chile.
Percebo inteiramente que a praia possa ser para muito boa gente, uma chatice das gordas. Aliás, na Figueira, havia veraneantes que nunca cruzavam sequer a esplanada da praia. Davam umas voltas pelas ruas em redor do casino, sentavam-se nas esplanadas dos cafés mais em voga e davam por cumprida a sua missão. Sempre a mais de um quilómetro do mar...
Eu, para não ir mais longe, só desço ao areal para acompanhar a CG. Lá dou um mergulho, e zás, chuveiro e livro de novo. Com uma excepção: se houver ondas boas e com alguma força ninguém me tira da água. Este ano o mar estava manso e chão, uma chatice. Não se podia “picar uma carreira” nem mergulhar às ondas mais altas. Paciência, também ninguém morre à falta disso. Aliás o mais provável, se houvesse mar mais buliçoso, seria aparecer alguma autoridade e proibir o banho. Esta malta resolveu, uma vez por todas, proteger o indígena de tudo. Das touradas (de que não gosto) da morcela da Beira porque é artesanal, do vinho morangueiro (que dispenso) da sardinha assada por via das dioxinas e de mais um milhão de coisas que até ontem significavam diversidade. E do tabaco (deixei de fumar ainda no século passado) claro. Parece que a palavra de ordem é : tu serás salvo a bem ou a mal!
Mais dia menos dia, meu caro João Tunes, aparece-lhe aí por casa um cabo de esquadra com uma intimação do tribunal: obrigado a fazer praia, em horário laboral completo quinze dias em cada Verão.
Até lá continue a gazetar à areia e vá dando notícias. De si, dos livros e do resto. Um abraço deste seu (também compulsivo) leitor.
suponho que V. não desgostará da esplanada do "aux deux magots" para um café e leitura. Aí está.