Umas eleições que não deixaram tudo na mesma
As eleições legislativas de ontem aproximaram-se das previsões antecipadas pela maioria das sondagens nos últimos dias, trazendo elementos novos e até surpreendentes, mas sem colocar em causa o compromisso de mais de 70% dos eleitores com a União Europeia e a moeda única. O que não é coisa de somenos na Europa de hoje.
A coligação PSD/CDS venceu com 36,83% dos votos (mais 1,72% das candidaturas separadas nas regiões autómonas), perdeu mais de 725.000 votos e pelo menos 25 deputados (falta apurar ainda os deputados dos círculos da emigração que costumam atribuir 3 mandatos ao PSD e 1 ao PS). Esta vitória confere ao PSD, enquanto partido com maior grupo parlamentar, o direito a ser indigitado para formar governo em coligação com o CDS. Estes dois partidos, contudo, vão sofrer um duro teste às suas capacidades e aos seus genes. Habituados a seguir uma determinada cartilha durante quatro anos, sem necessidade de negociar e de promover entendimentos com a oposição, vão ser colocados à prova a partir daqui, uma vez que só conseguirão governar se obtiverem a viabilização no parlamento do respectivo programa, do orçamento do Estado e demais legislação estruturante. Os portugueses deram um sinal claro de que não querem mais do mesmo e pretendem alterar o quadro seguido até aqui pelo governo. Lembremo-nos, no entanto, que Guterres e Sócrates, nos segundos executivos sem maioria, duraram apenas metade da legislatura…
O PS teve um resultado decepcionante – 32,38% dos votos – apesar de ter aumentado mais de 180.000 votos e 12 deputados. É um resultado honroso, como hoje se lhe referiu Manuel Alegre, sobretudo lido à luz do que tem sucedido por essa Europa fora aos partidos socialistas e sociais-democratas, mas não deixa de ser uma votação claramente aquém do que era exigido a António Costa. Costa não conseguiu corresponder ao capital de esperança com que muitos viram a sua chegada à liderança do PS. Não perdeu as eleições ao centro, mas perdeu-as à esquerda, quando não captou o voto útil dessa faixa do eleitorado e não conseguiu atrair uma fatia importante de abstencionistas. Na noite de ontem, Costa avançou que não se demitia, afirmou que não promoveria coligações negativas e estabeleceu as balizas de negociação para viabilizar um programa de governo. O país confia e deposita grandes expectativas na capacidade de o PS se afirmar como partido charneira nos tempos que aí vêm, mas para isso é fundamental que a situação interna do PS fique clarificada. Os órgãos do partido vão reunir-se nos próximos dias e se aí emergir uma oposição interna que desafie António Costa, este deve colocar o lugar à disposição e marcar eleições para o cargo de secretário-geral, recandidatando-se se considerar que tem as melhores condições para liderar o partido. A verdade é que neste momento não se vislumbra um nome no PS que possa corporizar essa alternativa. A menos que António José Seguro queira regressar.
O Bloco de Esquerda foi a sensação da noite eleitoral ao registar 10,22% dos votos, crescendo mais de 260.000 votos e passando de 8 para 19 deputados. Uma onda que varreu o país e causou um rombo profundo no PS. A emergência das figuras femininas de Catarina Martins e Mariana Mortágua, jovens, simpáticas e com boa presença na comunicação social, explica em grande parte este crescimento. O Bloco captou muitos votos por simpatia, daqueles eleitores que estavam contra a maioria PSD/CDS mas não ficaram satisfeitos com a performance e as propostas do PS e confiaram o seu voto independentemente das posições que o Bloco defende, nomeadamente no que diz respeito à moeda única e à União Europeia. É essa a minha convicção.
A CDU, com 8,27% dos votos, teve um ligeiro crescimento de pouco mais de 3.000 votos e 1 deputado, ou seja, manteve a votação habitual, embora com o sabor amargo de ser ultrapassada pelo Bloco de Esquerda. Ainda assim, contribuiu com a sua votação para reforçar a maioria de esquerda no parlamento, o que é verdade e fica sempre bem nas proclamações comunistas.
Quando se antecipava uma proliferação de partidos pequenos no parlamento, nada disso se passou. O nosso sistema partidário continua hermético e desta vez a única surpresa chegou do PAN, que atingiu quase 75.000 votos (1,39%) e elegeu pela primeira vez um deputado por Lisboa. É notório que os portugueses têm hoje uma preocupação crescente com a defesa dos animais e da natureza e este resultado expressa bem isso. O PDR e o Livre/Tempo de Avançar não conseguiram esse objectivo, apesar de disporem de lideranças com maior notoriedade, ficando este último claramente atrás do intrépido PCTP/MRPP.
Os votos brancos e nulos, no seu conjunto, diminuíram perto de 25.000 votos, mas o número de abstencionistas cresceu bastante. A percentagem de votantes passou de 58,92% em 2011 para 56,93% em 2015, correspondendo a aproximadamente menos 180.000 votantes. Um dado que tem de interpelar os partidos e os agentes políticos.
Em suma, vêm aí tempos difíceis para a governabilidade, com um presidente da República em final de mandato e muito desgastado. Aliás, as eleições presidenciais estão aí à porta e os candidatos não tardarão a sair para a rua, condicionando também as posições dos partidos políticos nestes próximos meses. Os portugueses votaram e mostraram que queriam mudar as regras da governação. Cabe agora aos diferentes partidos saberem interpretar essa mensagem, a começar pelos que venceram, que estão obrigados a mudar o chip da governação.