Para comemorar os 50 anos do 25 de Abril de 1974, relembro aqui a ocasião em que o Dia da Liberdade foi evocado em cerimónia oficial na Câmara Municipal de Marco de Canaveses, após um longo período de ostracização da data e do seu significado. Foi em 25 de Abril de 2006 que isso ocorreu e pareceu-me oportuno recordar o discurso que então fiz na qualidade de coordenador do grupo municipal socialista:
"Senhor Presidente da Assembleia Municipal, Senhoras e Senhores Deputados
Senhor Presidente da Câmara Municipal, Senhora e Senhores Vereadores
Excelentíssimos Senhores e Caros Marcoenses
Encontramo-nos hoje aqui a celebrar uma data determinante do Portugal contemporâneo – o dia em que um punhado de jovens militares teve a ousadia e a coragem de conduzir uma revolução que mudou o regime político e abriu as portas à construção de um estado de direito, livre e democrático.
Não é possível comemorar o dia 25 de Abril de 1974 sem enaltecer a acção desses homens a quem tanto devemos e à frente dos quais me permito destacar, pela coragem, pela humildade, pelos valores, pelo desapego ao poder, o malogrado Fernando Salgueiro Maia.
Num poema que lhe dedicou, a poetisa Sophia de Mello Breyner evocou, de forma sublime, a dimensão humana de Salgueiro Maia:
“Aquele que na hora da vitória
Respeitou o vencido
Aquele que deu tudo e não pediu a paga
Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite
Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com sua ignorância ou vício
Aquele que foi “Fiel à palavra dada à ideia tida”
Como antes dele mas também por ele
Pessoa disse”
O processo revolucionário que se viveu nos anos imediatamente a seguir à revolução não foi isento de percalços, mas foram esses jovens capitães de Abril que permitiram que a minha geração e as que se lhe seguiram crescessem numa sociedade renovada, aberta, plural, receptiva a todas as formas de manifestação artística e cultural. Sem censuras, sem medos, sem ameaças. Sem polícia política e sem guerra. Com total liberdade.
O país renascido em Abril percorreu o seu caminho, por vezes com dificuldades, mas soube ganhar o respeito da comunidade internacional, e acabou por constituir um exemplo pela forma como decorreu o processo de transição para o regime democrático e a integração na União Europeia.
Senhoras e Senhores
Comemorar o 25 de Abril em Marco de Canaveses é também um motivo de particular regozijo e satisfação. Ainda há dois anos atrás, por ocasião do 30º aniversário da revolução, propus na Assembleia Municipal que a autarquia assinalasse essa efeméride condignamente, com o objectivo de fazer lembrar os mais novos da importância da data e de fomentar a participação cívica da juventude. Sugeri então que se realizassem conferências e debates nas escolas, envolvendo protagonistas da revolução e representantes dos partidos políticos, que se fizesse uma sessão solene aberta à população e que fossem homenageados os primeiros autarcas eleitos pelo regime democrático em 1976. Esta proposta não teve qualquer acolhimento por parte da Câmara Municipal.
Aliás, as comemorações do 25 de Abril em Marco de Canaveses estiveram limitadas nos últimos anos às iniciativas de um grupo de democratas, provenientes de vários quadrantes políticos mas unidos pelo propósito de defender a liberdade e os valores da cidadania responsável, de lutar pelo desenvolvimento estruturado da sua terra e pela dignificação dos marcoenses, nunca abdicando de levantar a voz contra as arbitrariedades e os atropelos.
A afirmação do poder local democrático, uma das conquistas de Abril, não teve um percurso fácil na nossa terra. Durante mais de vinte anos, o que se viveu em Marco de Canaveses foi a consagração de um projecto de poder centrado numa pessoa e nos seus interesses. Tudo foi construído e alimentado em função de um desígnio: consolidar o poder a partir da presidência da Câmara Municipal.
Essa rede de interesses envolveu empresários, clubes, associações, comunicação social e praticamente todos os agentes da sociedade civil que, por este ou aquele motivo, dependiam da autarquia para o desenvolvimento das suas actividades. Poucos foram aqueles que não sucumbiram à força do poder.
Houve adversários políticos que mudaram de campo porque isso era mais conveniente, houve quem se deixasse encantar por negócios ou assessorias, houve quem tudo fizesse em troca de um emprego para si ou para os seus. Houve mesmo quem perdesse por completo o amor-próprio e, depois de insultado ou agredido, se tivesse rendido aos encantos do poder.
Para superar este período e preparar um futuro diferente, precisamos no entanto de entender o que esteve na base do sucesso desse projecto de poder. E falo de sucesso porque, não o esqueçamos, esse poder foi sufragado por sucessivas maiorias de marcoenses durante mais de vinte anos.
O nosso concelho tem de ser uma terra de homens e mulheres livres. Onde os nossos jovens tenham sucesso na escola e na procura de emprego qualificado. Onde os empresários não necessitem de favores para verem aprovados os seus projectos. Onde o relacionamento entre a autarquia e os clubes e associações seja sadio e transparente. Onde a comunicação social seja isenta e independente. Onde as organizações da sociedade civil sejam estimuladas e apoiadas sem necessitarem de ser subservientes com o poder. Onde as manifestações culturais fomentem a busca de novos conhecimentos e o desenvolvimento do espírito crítico. Onde a promessa de um emprego não seja meio caminho para renunciar a valores e a compromissos.
Quando estas premissas forem garantidas, não haverá lugar para mais populismos e demagogias. Cidadãos esclarecidos, activos e intervenientes são mais exigentes com os responsáveis políticos e não se deixam enganar facilmente pelos vendedores de ilusões.
Senhoras e Senhores
Trinta e dois anos depois da revolução de Abril, há ainda muito por fazer em Marco de Canaveses. Neste período, perdeu-se demasiado tempo, muitas oportunidades foram desbaratadas e muito dinheiro foi entretanto desperdiçado.
O concelho de Marco de Canaveses e a sub-região do Tâmega, onde estamos inseridos, registam indicadores de desenvolvimento dos mais atrasados do país. Seja na educação, na cultura, na economia ou no ambiente. É urgente, por isso, encontrar um rumo novo.
Não nos podemos conformar com as taxas de abandono e insucesso escolar, com o défice de iniciativas culturais, com as taxas de desemprego superiores à média da região e do país, com o definhar do comércio tradicional e da agricultura, com a ausência de empresas de capital tecnológico, com a escassa cobertura das redes de água e saneamento, com o desinvestimento na defesa e valorização da floresta, com o desaproveitamento das condições ímpares proporcionadas pelos cursos fluviais que servem o município.
O concelho precisa de fazer ouvir a sua voz, de reivindicar novas escolas, de lutar por melhores acessibilidades rodoviárias e ferroviárias, de atrair projectos estruturantes, de construir equipamentos culturais e desportivos, de criar emprego e fixar os jovens quadros.
O partido que venceu as últimas eleições autárquicas tem pela frente o desafio de concretizar as propostas e os projectos apresentados aos marcoenses e será por isso julgado no final do seu mandato. O facto de não possuir maioria no órgão deliberativo do município exige capacidade de diálogo, disponibilidade para acolher propostas de outras forças políticas e total transparência nas decisões.
O Partido Socialista, através dos seus autarcas, continuará a ser uma oposição interveniente, leal e responsável, firme na defesa das suas ideias e dos seus princípios, honrando os compromissos assumidos perante os marcoenses.
Queremos ajudar a construir um futuro melhor para Marco de Canaveses. Com esperança, determinação, ousadia e ambição. Ainda e sempre, em nome de Abril!
Obrigado"