Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Comissão Municipal de Toponímia

José Carlos Pereira, 23.09.24

Alguns anos depois, retomei este mês uma missão de serviço público, passando a presidir à reinstalada Comissão Municipal de Toponímia de Marco de Canaveses por indicação dos restantes membros, todos eles com larga experiência de intervenção pública, designadamente nos órgãos autárquicos, no ensino e na vida associativa. Enquanto órgão consultivo da Câmara Municipal, procuraremos dar o nosso melhor contributo ao município.

460473882_10226709667590420_4588363679882665426_n.

Os ventos que chegam de Londres, Paris e Washington

José Carlos Pereira, 12.07.24

La_Tour_Eiffel_vue_de_la_Tour_Saint-Jacques,_Paris

Num contexto internacional que continua marcado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, pela escalada militar de Israel contra o povo palestiniano e pelo desalinhamento crescente entre o bloco ocidental e a China, os processos eleitorais deste ano em França, no Reino Unido e nos Estados Unidos da América (EUA) têm importância acrescida.

No Reino Unido, os trabalhistas obtiveram no início do mês um dos melhores resultados de sempre, elegendo 411 parlamentares num total de 650. Os cerca de 9,7 milhões de votos (33,7%) dos trabalhistas foram recompensados pelo sistema eleitoral maioritário, tal como todas as sondagens indiciavam. A viragem do Reino Unido à esquerda, pondo fim a catorze anos de governação conservadora, castigou as trapalhadas e a incompetência de Boris Johnson, que não foram ultrapassadas na opinião pública pelos seus sucessores Liz Truss e Rishi Sunak, como o demonstraram as eleições locais que foram ocorrendo. Do lado dos trabalhistas, Keir Starmer conseguiu serenar e unir o partido, que abandonou posições mais radicais e centrou o seu discurso em medidas com forte impacto na população, como os impostos, o sistema nacional de saúde e a imigração, com o fim do inacreditável envio para o Ruanda de imigrantes requerentes de asilo. Starmer tem a oportunidade de comprovar que a esquerda democrática pode governar com sucesso um dos principais países europeus. 

Em França, a coligação de esquerda Nova Frente Popular ganhou as eleições com 180 mandatos e 25,8% dos votos, seguida da coligação centrista Juntos pela República, liderada pelo partido de Emmanuel Macron, que alcançou 159 deputados e 24,5% dos votos. O sistema eleitoral e a barragem "republicana" levada a cabo pelos partidos democráticos, na segunda volta, travaram a vitória que se anunciava para a coligação de extrema-direita liderada pelo Reagrupamento Nacional, que foi a mais votada (37% dos votos), mas só conseguiu eleger 142 deputados, ainda assim o seu melhor resultado de sempre. O desafio que a França tem pela frente é de tentar que a esquerda e o centro ultrapassem as maiores divergências e consigam suportar um governo que reganhe a confiança dos franceses e acabe por reconquistar para o campo democrático grande parte dos mais de 10 milhões de votantes na extrema-direita, muitos deles votantes de protesto, descontentes com a falta de respostas dos partidos que têm ocupado o poder. Macron criou o problema ao antecipar as eleições e terá agora de encontrar um caminho que contribua para evitar a vitória de Marine Le Pen nas próximas presidenciais.

Finalmente, os EUA. A mais importante eleição no mundo democrático corre o sério risco de conduzir à vitória de Donald Trump. As sondagens apontam nesse sentido e o comportamento de Joe Biden dá força a essa possibilidade. As gaffes têm-se sucedido - nas últimas horas chamou Putin a Zelensky e referiu-se à sua vice-presidente como Kamala Trump! - e os pedidos para a sua desistência têm vindo a crescer desde o debate televisivo com Trump. Assisti em directo à primeira meia-hora desse debate e foi verdadeiramente confrangedor ver as debilidades do presidente que luta pela reeleição. Não se compreende como o Partido Democrata não gerou, em tempo útil, uma alternativa forte e credível para suceder a Joe Biden. Muitos dizem que, mesmo assim, Biden ainda é o único capaz de derrotar o intempestivo Donald Trump. Não sei se tal é verdade, mas o mundo olha para os EUA e fica inquieto perante as possibilidades que se colocam, seja Trump a presidente, seja um diminuído Biden reeleito, com os cordelinhos a serem assumidos por terceiros na sombra. O Partido Democrata ainda estará a tempo de virar o jogo?

Eleições europeias com reflexos nacionais

José Carlos Pereira, 11.06.24

original.webp

As eleições europeias do passado Domingo mobilizaram mais portugueses, talvez fruto da facilidade concedida pelo voto em mobilidade, e deram alguns sinais interessantes aos partidos políticos e aos seus líderes. 

O PS alcançou mais uma vitória europeia - foi a sexta vez em nove eleições realizadas desde 1987 - e Marta Temido revelou-se uma aposta bem sucedida de Pedro Nuno Santos, que substituiu todos os eleitos em Bruxelas e interveio assiduamente na campanha. Foi uma vitória por curta margem, a segunda menor vantagem nestes duelos europeus com o PSD/AD, mas não deixa de representar uma viragem positiva face à derrota nas recentes legislativas. A vitória de Marta Temido tem ainda maior relevância pelo facto de a maioria dos membros elegíveis da lista não ter uma grande notoriedade.

A AD, pese embora todas as medidas lançadas de supetão pelo Governo, não conseguiu repetir a vitória de Março e consolidar a posição de maior força política. A escolha excêntrica do cabeça de lista, Sebastião Bugalho, não deu a Luís Montenegro o resultado que o primeiro-ministro desejava. Alguém que gosta de se assumir como jornalista, mas que na verdade é um comentador engajado à direita, cuja única experiência política tinha sido como candidato (não eleito) a deputado pelo CDS, nunca pareceu ser uma escolha acertada. O líder da AD cavalgou a onda do mediatismo, mas deviam ter lembrado a Montenegro que, fora da bolha político-mediática, Bugalho era um perfeito desconhecido.

O Chega teve um resultado de algum modo surpreendente, pela enorme perda de votos verificada em relação às legislativas, o qual pode ser justificado por vários factores: o desastroso candidato que apresentou, o menor compromisso com a Europa por parte dos seus eleitores, o facto de o Parlamento Europeu não ser o destino privilegiado dos seus protestos e descontentamentos e o comportamento errático que André Ventura tem seguido desde as últimas legislativas.

A Iniciativa Liberal teve um resultado extraordinário, fruto sobretudo do perfil do candidato Cotrim de Figueiredo e da sua forma de estar na campanha eleitoral. Continuo a pensar que a mudança de líder na Iniciativa Liberal foi um erro e que Rui Rocha jamais terá a empatia que Cotrim de Figueiredo consegue com os eleitores. 

À esquerda do PS, BE e CDU não conseguiram travar o declínio que se vem acentuando, apesar de terem apresentado nas eleições candidatos com grande visibilidade e que já foram líderes do partido, no caso de Catarina Martins, ou da bancada parlamentar, no caso de João Oliveira.

Nos partidos mais votados entre os que não conseguiram eleger, ficam algumas notas a reter: o crescimento do Livre, com a novidade Francisco Paupério, não alcançou por muito pouco um lugar em Bruxelas; a surpreendente, para dizer o mínimo, Joana Amaral Dias, pode ter ajudado a consolidar o ADN como mais um veículo da extrema-direita em Portugal; o PAN teve um resultado muito mau, perdendo espaço enquanto partido verde e ecologista.

A nível europeu, felizmente não se verificou o crescimento que se anunciava para a extrema-direita. Apesar do preocupante resultado que o partido de Le Pen conseguiu em França, obrigando Macron a reagir com a antecipação das eleições legislativas, o Parlamento Europeu continuará a ter no Partido Popular Europeu e nos Socialistas & Democratas os principais grupos políticos e a garantia da defesa dos valores estruturantes da União Europeia. Nesse contexto, ficou reforçada a possibilidade de António Costa vir a ser candidato à presidência do Conselho Europeu, com o apoio do Governo português reafirmado por Luís Montenegro.

O Incursões faz 20 anos!

José Carlos Pereira, 18.05.24

O Incursões cumpre hoje o seu vigésimo aniversário! Foi a 18 de Maio de 2004 que um poema de Eugénio de Andrade abriu as páginas deste blogue.

Nesta hora, recordamos aqui todos os antigos e actuais autores do blogue, particularmente aqueles que já não se encontram entre nós, como são os casos do advogado, jornalista e político J.M. Coutinho Ribeiro, durante muitos anos um dos principais esteios deste espaço, e o economista e professor universitário Carlos Pimenta.

A todos os leitores que nos acompanharam nesta caminhada de 20 anos fica o nosso reconhecimento e a vontade de que continuem a acompanhar-nos. Mesmo numa altura em que se anuncia a perda de relevância dos blogues, contámos no último ano com mais de 25.000 visualizações, o que só pode deixar-nos satisfeitos.

Um voto em André Villas-Boas

José Carlos Pereira, 26.04.24

bec22cc4-0ad3-43e4-b674-66bb475a984a.jpg

Amanhã, dia de eleições para os órgãos sociais do FC Porto, voto convictamente pela mudança, voto em André Villas-Boas. Depois do que aqui escrevi aquando das eleições de 2016 e das razões que aduzi para o meu voto em branco nas eleições de 2020, é natural a minha opção pela candidatura de André Villas-Boas.

Em 2020 votei pela primeira vez nas eleições do FC Porto e votei em branco pelo facto de não vislumbrar nas candidaturas alternativas a Pinto da Costa o "percurso, a experiência de gestão e a liderança necessária para inverter a situação" em que se encontrava o clube. Desde então, a realidade do FC Porto agravou-se de forma notória e acredito que André Villas-Boas e a sua equipa asseguram as competências necessárias para iniciar um novo ciclo na gestão do clube. Aliás, mesmo que alguns erros de percurso possam vir a ser cometidos pela novel equipa directiva, prefiro suportar esses custos de inexperiência a continuar a ver no poder uma estrutura que conduziu o FC Porto a uma situação financeira insustentável, aumentando para valores incomportáveis o passivo e a dívida, com reflexos evidentes na perda de capacidade competitiva.

Jorge Nuno Pinto da Costa foi um presidente com uma acção notável e inesquecível. O seu trajecto jamais pode ser olvidado. Contudo, a última dezena de anos foi um absoluto desastre. Os títulos passaram a escassear, a situação financeira depauperou-se com opções de gestão erradas, a dívida asfixiou o clube até ficar sob a alçada do fair-play financeiro da UEFA e perder capacidade competitiva perante os seus rivais internos. Contudo, a remuneração elevada da administração e os prémios de gestão mantiveram-se intocáveis. Os prémios foram processados e pagos mesmo em ano de pesados resultados negativos.

O FC Porto passou a ser mais falado pela incapacidade de contratar activos de valor insuspeito, pelas vendas de passes de jogadores abaixo do respectivo potencial valor de mercado, pelas margens exageradas distribuídas por agentes e intermediários, deteriorando as mais valias alcançadas com as vendas de passes de jogadores, e pela necessidade de mendigar apoio financeiro junto de entidades pouco escrupulosas. Era público que alguns desses agentes, a começar pelo filho do próprio presidente, gozavam de acesso privilegiado à administração da SAD, tal como ficámos a saber que aqueles que criaram veículos para "ajudar" financeiramente o FC Porto, agora são catapultados para os lugares de vice-presidente financeiro e CFO da SAD na candidatura de Pinto da Costa. Mal comparado, era como se as raposas fossem levadas para dentro do galinheiro.

Tudo o que se passou nos últimos tempos, já dentro do período oficial eleitoral, mostra o desespero da candidatura de Pinto da Costa. Das declarações proferidas por vários dos candidatos aos compromissos assumidos. O projecto da academia na Maia, com impacto significativo no futuro do clube, foi levado por diante sem qualquer consulta e avaliação prévia dos associados. A venda dos direitos comerciais a uma multinacional, com impacto para os próximos 25 anos, foi concluída de forma incompreensível a poucos dias das eleições. O mesmo se pode dizer da renovação por quatro anos do contrato com o treinador. Candidatos a vice-presidentes como António Oliveira, que em tempos não muito distantes se mostrou animado para uma candidatura a presidente do...Sporting, ou João Rafael Koehler, aparecem a falar em público como se já fossem da casa e conhecedores da realidade interna do clube.

Pinto da Costa, que agora até diz que não haverá prémios de gestão, não soube detalhar, em várias entrevistas, quanto custará o projecto da academia da Maia ou quais são os juros suportados pela SAD no financiamento assegurado através dos veículos associados a João Rafael Koehler. Outros saberão as respostas! Ontem, Pinto da Costa já foi admitindo que pode vir aí coima pesada da UEFA devido a incumprimento, "por dez ou 12 dias", das regras do fair-play financeiro. Enfim, é tudo mau demais.

A mudança é imprescindível. Os associados reclamam mais transparência, mais sobriedade na administração, mais ponderação nos negócios, um maior nível de escrutínio e uma estrutura mais diligente na prestação de informação. André Villas-Boas e a sua equipa transmitem as garantias necessárias para acreditar num novo ciclo assente numa gestão rigorosa, criteriosa, mas também ambiciosa. 

Voto convictamente pela mudança. Voto em André Villas-Boas!

 

 

O 25 de Abril chegou tarde a Marco de Canaveses

José Carlos Pereira, 25.04.24

CMMCN_2020.07.28.jpg

Para comemorar os 50 anos do 25 de Abril de 1974, relembro aqui a ocasião em que o Dia da Liberdade foi evocado em cerimónia oficial na Câmara Municipal de Marco de Canaveses, após um longo período de ostracização da data e do seu significado. Foi em 25 de Abril de 2006 que isso ocorreu e pareceu-me oportuno recordar o discurso que então fiz na qualidade de coordenador do grupo municipal socialista:

"Senhor Presidente da Assembleia Municipal, Senhoras e Senhores Deputados

Senhor Presidente da Câmara Municipal, Senhora e Senhores Vereadores

Excelentíssimos Senhores e Caros Marcoenses

Encontramo-nos hoje aqui a celebrar uma data determinante do Portugal contemporâneo – o dia em que um punhado de jovens militares teve a ousadia e a coragem de conduzir uma revolução que mudou o regime político e abriu as portas à construção de um estado de direito, livre e democrático.

Não é possível comemorar o dia 25 de Abril de 1974 sem enaltecer a acção desses homens a quem tanto devemos e à frente dos quais me permito destacar, pela coragem, pela humildade, pelos valores, pelo desapego ao poder, o malogrado Fernando Salgueiro Maia.

Num poema que lhe dedicou, a poetisa Sophia de Mello Breyner evocou, de forma sublime, a dimensão humana de Salgueiro Maia:

“Aquele que na hora da vitória

Respeitou o vencido

Aquele que deu tudo e não pediu a paga

Aquele que na hora da ganância

Perdeu o apetite

Aquele que amou os outros e por isso

Não colaborou com sua ignorância ou vício

Aquele que foi “Fiel à palavra dada à ideia tida”

Como antes dele mas também por ele

Pessoa disse”

O processo revolucionário que se viveu nos anos imediatamente a seguir à revolução não foi isento de percalços, mas foram esses jovens capitães de Abril que permitiram que a minha geração e as que se lhe seguiram crescessem numa sociedade renovada, aberta, plural, receptiva a todas as formas de manifestação artística e cultural. Sem censuras, sem medos, sem ameaças. Sem polícia política e sem guerra. Com total liberdade.

O país renascido em Abril percorreu o seu caminho, por vezes com dificuldades, mas soube ganhar o respeito da comunidade internacional, e acabou por constituir um exemplo pela forma como decorreu o processo de transição para o regime democrático e a integração na União Europeia.

Senhoras e Senhores

Comemorar o 25 de Abril em Marco de Canaveses é também um motivo de particular regozijo e satisfação. Ainda há dois anos atrás, por ocasião do 30º aniversário da revolução, propus na Assembleia Municipal que a autarquia assinalasse essa efeméride condignamente, com o objectivo de fazer lembrar os mais novos da importância da data e de fomentar a participação cívica da juventude. Sugeri então que se realizassem conferências e debates nas escolas, envolvendo protagonistas da revolução e representantes dos partidos políticos, que se fizesse uma sessão solene aberta à população e que fossem homenageados os primeiros autarcas eleitos pelo regime democrático em 1976. Esta proposta não teve qualquer acolhimento por parte da Câmara Municipal.

Aliás, as comemorações do 25 de Abril em Marco de Canaveses estiveram limitadas nos últimos anos às iniciativas de um grupo de democratas, provenientes de vários quadrantes políticos mas unidos pelo propósito de defender a liberdade e os valores da cidadania responsável, de lutar pelo desenvolvimento estruturado da sua terra e pela dignificação dos marcoenses, nunca abdicando de levantar a voz contra as arbitrariedades e os atropelos.

A afirmação do poder local democrático, uma das conquistas de Abril, não teve um percurso fácil na nossa terra. Durante mais de vinte anos, o que se viveu em Marco de Canaveses foi a consagração de um projecto de poder centrado numa pessoa e nos seus interesses. Tudo foi construído e alimentado em função de um desígnio: consolidar o poder a partir da presidência da Câmara Municipal.

Essa rede de interesses envolveu empresários, clubes, associações, comunicação social e praticamente todos os agentes da sociedade civil que, por este ou aquele motivo, dependiam da autarquia para o desenvolvimento das suas actividades. Poucos foram aqueles que não sucumbiram à força do poder.

Houve adversários políticos que mudaram de campo porque isso era mais conveniente, houve quem se deixasse encantar por negócios ou assessorias, houve quem tudo fizesse em troca de um emprego para si ou para os seus. Houve mesmo quem perdesse por completo o amor-próprio e, depois de insultado ou agredido, se tivesse rendido aos encantos do poder.

Para superar este período e preparar um futuro diferente, precisamos no entanto de entender o que esteve na base do sucesso desse projecto de poder. E falo de sucesso porque, não o esqueçamos, esse poder foi sufragado por sucessivas maiorias de marcoenses durante mais de vinte anos.

O nosso concelho tem de ser uma terra de homens e mulheres livres. Onde os nossos jovens tenham sucesso na escola e na procura de emprego qualificado. Onde os empresários não necessitem de favores para verem aprovados os seus projectos.  Onde o relacionamento entre a autarquia e os clubes e associações seja sadio e transparente. Onde a comunicação social seja isenta e independente. Onde as organizações da sociedade civil sejam estimuladas e apoiadas sem necessitarem de ser subservientes com o poder. Onde as manifestações culturais fomentem a busca de novos conhecimentos e o desenvolvimento do espírito crítico. Onde a promessa de um emprego não seja meio caminho para renunciar a valores e a compromissos.

Quando estas premissas forem garantidas, não haverá lugar para mais populismos e demagogias. Cidadãos esclarecidos, activos e intervenientes são mais exigentes com os responsáveis políticos e não se deixam enganar facilmente pelos vendedores de ilusões.

Senhoras e Senhores

Trinta e dois anos depois da revolução de Abril, há ainda muito por fazer em Marco de Canaveses. Neste período, perdeu-se demasiado tempo, muitas oportunidades foram desbaratadas e muito dinheiro foi entretanto desperdiçado.

O concelho de Marco de Canaveses e a sub-região do Tâmega, onde estamos inseridos, registam indicadores de desenvolvimento dos mais atrasados do país. Seja na educação, na cultura, na economia ou no ambiente. É urgente, por isso, encontrar um rumo novo.

Não nos podemos conformar com as taxas de abandono e insucesso escolar, com o défice de iniciativas culturais, com as taxas de desemprego superiores à média da região e do país, com o definhar do comércio tradicional e da agricultura, com a ausência de empresas de capital tecnológico, com a escassa cobertura das redes de água e saneamento, com o desinvestimento na defesa e valorização da floresta, com o desaproveitamento das condições ímpares proporcionadas pelos cursos fluviais que servem o município.

O concelho precisa de fazer ouvir a sua voz, de reivindicar novas escolas, de lutar por melhores acessibilidades rodoviárias e ferroviárias, de atrair projectos estruturantes, de construir equipamentos culturais e desportivos, de criar emprego e fixar os jovens quadros.

O partido que venceu as últimas eleições autárquicas tem pela frente o desafio de concretizar as propostas e os projectos apresentados aos marcoenses e será por isso julgado no final do seu mandato. O facto de não possuir maioria no órgão deliberativo do município exige capacidade de diálogo, disponibilidade para acolher propostas de outras forças políticas e total transparência nas decisões.

O Partido Socialista, através dos seus autarcas, continuará a ser uma oposição interveniente, leal e responsável, firme na defesa das suas ideias e dos seus princípios, honrando os compromissos assumidos perante os marcoenses.

Queremos ajudar a construir um futuro melhor para Marco de Canaveses. Com esperança, determinação, ousadia e ambição. Ainda e sempre, em nome de Abril!

Obrigado"

Passos Coelho pulou a cerca

José Carlos Pereira, 10.04.24

wakssyxumkfs.jpg

O antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho parece ter-se cansado do silêncio e recato a que se votou durante bastante tempo e que até tinha reforçado a simpatia que muitos sectores da direita democrática nutriam por si. Contudo, nos últimos meses algo mudou e Passos Coelho tem surgido em público com mais frequência, a querer marcar a agenda da sua área política, mesmo que isso seja um entrave à liderança do PSD.

Passos Coelho foi infeliz quando veio dizer que António Costa saiu por "indecente e má figura", deixando claro que tem contas por acertar com o ex-líder socialista desde que em 2015 se viu apeado do governo. Mais tarde, o antigo primeiro-ministro não temeu perturbar a campanha de Luís Montenegro ao associar imigração e insegurança, à boa maneira da extrema-direita, incentivando Montenegro a fazer tudo o que fosse preciso para assegurar a maioria, acolhendo se necessário o contributo do Chega e de André Ventura.

Agora, e em definitivo, Passos Coelho, pulou a cerca para a área da direita mais conservadora e reaccionária, nas ideias, nos costumes e nos valores. Ao apresentar o livro "Identidade e Família", Passos Coelho colocou-se do lado dos que olham de esguelha para o papel da mulher na sociedade e para a legislação do divórcio e são contra o direito ao aborto, a eutanásia, o casamento e a adopção por pessoas do mesmo sexo e a educação para a cidadania na escola pública, que procura preparar os mais novos para a diversidade dos dias de hoje. Esses sectores falam da família como se tivéssemos recuado 60 anos e erigem a dita "ideologia de género", seja lá isso o que for, como o maior mal das nossas sociedades.

Ver Passos Coelho aos sorrisos e cumprimentos com André Ventura e Diogo Pacheco de Amorim nesse evento, com palavras de incentivo a uma intervenção dialogante no parlamento, foi a cereja no topo do bolo, levando ao êxtase a extrema-direita "intelectual" que campeia pelas redes sociais. Ainda bem que não faltaram vozes dignas e qualificadas da direita e do PSD a distanciarem-se do discurso de Passos Coelho e das ideias veiculadas pelo livro. Portugal avançou e não deixará que se recue em valores fundamentais.

Nos últimos anos, costumava dizer que a mais valia de um eventual regresso de Passos Coelho seria fazer secar o Chega, recuperando boa parte do seu eleitorado para o PSD. Já não digo isso. Passos Coelho não vê mal no Chega e até parece contar com o partido de Ventura para os seus projectos políticos de futuro. O país saberá responder.

Um novo xadrez político

José Carlos Pereira, 28.03.24

Na edição online do jornal A Verdade publico hoje um artigo de opinião acerca do quadro político saído das últimas eleições legislativas:

"As eleições do passado dia 10 colocaram Portugal perante um quadro político inédito, na medida em que passámos a contar com três pólos políticos: PSD, PS e Chega. O resultado alcançado pelo partido de André Ventura foi verdadeiramente surpreendente e, com os seus 50 deputados, que representam cerca de 1.170.000 votos, o Chega passa a ser determinante nas contas à direita e terá um papel relevante na próxima legislatura.

As cenas caricatas dos últimos dias, em torno da eleição de José Pedro Aguiar-Branco como presidente da Assembleia da República, foram um aperitivo para os tempos conturbados que aí vêm.

A Aliança Democrática (AD), que ganhou as eleições à justa e ficou abaixo das expectativas criadas, prepara-se para formar governo. Espera-se que amanhã [hoje] Luís Montenegro apresente a composição do executivo a Marcelo Rebelo de Sousa. Ficaremos então a conhecer as suas apostas para um governo que lutará mês a mês pela sobrevivência, uma vez que os 80 deputados da AD, a que podemos juntar os oito deputados da Iniciativa Liberal (IL), estão longe de garantir uma governação estável e duradoura.

Terminada a especulação acerca da participação da IL, sabe-se já que o governo apenas incluirá representantes do PSD e do CDS. A presença da IL, que nas eleições também ficou aquém dos objectivos de crescimento a que se propôs, apenas se justificava na perspectiva de o PSD pretender aglutinar sob a sua alçada toda a direita democrática. Mas o perfil mais irreverente e irreflectido da IL acabaria por acrescentar problemas a um governo da AD que terá de ser coeso, determinado e alinhado nas suas políticas e iniciativas.

Luís Montenegro deve optar por concentrar-se na execução dos fundos europeus e do Plano de Recuperação e Resiliência, na gestão do excedente orçamental que herda do governo cessante e na resolução das reivindicações mais prementes. Desse modo, implementa as medidas mais populares e procura reforçar a empatia com os portugueses, com o objectivo de chegar à negociação do orçamento para 2025 numa posição mais favorável.

A via alternativa seria procurar desde o início uma confrontação com a oposição, designadamente na Assembleia da República, que conduzisse à queda do governo e a novas eleições em breve. A AD não vai certamente enveredar por esse caminho.

O PS perdeu quase 490.000 votos face a 2022, mas essa derrota acaba atenuada pelo facto de ter ficado apenas a cerca de 54.500 votos do resultado da AD. Foi a menor diferença de sempre entre as duas forças mais votadas numas eleições legislativas. Esse resultado e a circunstância de Pedro Nuno Santos ter escassos meses em funções como secretário-geral do PS não coloca em causa a posição do líder socialista, como se viu, de resto, nas reuniões dos órgãos nacionais do PS entretanto realizadas.

Pedro Nuno Santos esteve bem ao antecipar que não viabilizará moções de rejeição e que está disponível para concertar medidas direccionadas a determinados sectores profissionais. Como também fez bem em afirmar que o PS deve ser a alternativa à AD, não deixando esse espaço para a extrema-direita.

Caberá agora ao PS olhar para dentro de si próprio e encontrar explicações para a perda de votos verificada desde as eleições de 2022 e para as dificuldades em atrair o voto de determinadas classes etárias e profissionais. Os mais jovens, sobretudo, afastaram-se das propostas socialistas e isso deve interpelar seriamente os dirigentes do PS.

Jovens e menos jovens, descontentes, renitentes, habituais abstencionistas, saudosos de um passado distante e militantes do protesto, todos juntos formaram um caudal que resultou na grande votação do Chega. Construir algo a partir desse resultado será uma tarefa quase impossível para André Ventura. Por um lado, os votos que alcançou foram mais contra a “situação” e contra os ditos partidos do regime do que propriamente a favor das ideias e dos princípios do Chega. O país não tem um número tão grande de xenófobos, racistas e extremistas.

Por outro lado, se o PSD lhe fechar a porta, o que pode fazer Ventura com os seus votos? Política de terra queimada e obstrução sistemática ao governo? De que servirá, em termos práticos, ter votado no Chega? Os eleitores do Chega preferem soluções ou confusão e arrivismo permanente?

Lidar com o Chega, e sobretudo com os eleitores do Chega, é um grande desafio para PSD e PS. Se o PSD optar por se aproximar das reivindicações do Chega para se manter no poder, isso poderá ser um presente entregue nas mãos do PS. Ficaria mais fácil demarcar linhas vermelhas com os que transigem com forças que se guiam por valores políticos, humanistas e civilizacionais retrógrados e, na sua essência, anti-democráticos.

Os restantes partidos com assento parlamentar, com resultados e balanços diferentes no pós-legislativas, prosseguirão certamente as respectivas agendas, mas tendo presente que estão muito limitados na forma como podem condicionar a governação da AD. O xadrez, nesta legislatura, joga-se em três tabuleiros: PSD, PS e Chega."