J.M. Coutinho Ribeiro, 20.10.11
Eu já imaginava que as coisas fossem assim, mas precisei de ver: grande parte dos comentadores regulares da RTP é paga e bem paga. Exemplo: há quem aufira 600 euros por semana, o que perfaz a módica quantia de 2.400 euros por mês. Um bom vencimento. Um bom acréscimo ao vencimento, se levarmos em linha de conta de que estamos a falar de profissionais de proveniências várias, todos eles já bem pagos. Eles são deputados, ex-governantes, sindicalistas, juízes, o bastonário da Ordem dos Advogados e por aí adiante. Nada mau.
Não questiono a valia de tais comentadores. Nem por um minuto. Tirando a parte em que a maioria deles são pessoas interessadas no que comentam, nada a apontar. Já o facto de tudo ter a ver com a televisão do Estado - isto é, o facto de serem pagos com os nosso impostos - deixa-me a pensar que é capaz de haver por aí algum exagero. Andou bem, por isso, o ministro Relvas ao mandar cancelar as avenças.
Ultrapassada a questão essencial - a forma como os meus impostos são gastos -, resta ainda a pessoalíssima questão das minhas intervenções televisivas. Eu explico: durante muitos anos fui comentador da RTP. Nunca estive num programa regular, mas ia lá várias vezes por semana. Aliás, cheguei a ir lá três vezes no mesmo dia, sobretudo para comentar assuntos jurídicos. Como é bom de ver, estes eram dias perdidos na minha vida profissional. Quanto ganhava? Nada. Nadinha. Posso garantir que, tirando a minha participação na "Cadeira do Poder" (SIC), um concurso para convidados em que ganhei, nunca recebi um tostão pelas minhas participações em debates ou pelos comentários que produzi. Mas fui sempre, até ao momento em que pedi para abrandar as minhas idas e, depois, até deixar de ir, no que alguns acham que foi por causa de ter sido azedo com pessoas ligadas aos arguidos de um processo judicial muito mediático e ligado ao poder de então.
Há quem saliente que nem tudo terei perdido com as minhas idas à RTP. Sendo advogado, a tv - dizem - dava-me notoriedade, o que se traduz em clientes. Admito que sim. No entanto, olho para trás com rigor e não me lembro de um único cliente que tenha vindo até mim porque me viu na tv. Mas houve o contrário: um dia tive de recusar um cliente, porque dois dias antes tinha estado na tv a comentar o caso que o envolvia. Perdas, portanto. Para além daqueles que não cheguei a saber.
Mais tarde, quando surgiu o Porto Canal, fui convidado para comentador de política e para debates sobre assuntos de Justiça. Comecei no primeiro dia - literalmente. Quando me fizeram o convite, disse que sim, com a reserva de que só iria nas falhas dos outros. Isto é: quando faltasse alguém à última hora, telefonavam-me e eu ia. Depois, quando percebi que nesse registo ia vezes de mais, pedi para entrar para a rotatividade normal. Como sempre, sem ganhar o que quer que fosse. E também não imaginava, sequer, os esforço que muitos faziam para serem chamados a comentar.
Recentemente, por razões estritamente pessoais, decidi cancelar as minhas idas ao Porto Canal. Por razões pessoais e também porque, havendo um novo patrão - o F.C. Porto - e um novo director de informação e programação, havia que deixar aos novos responsáveis toda a liberdade para escolherem novos comentadores. Soube, dias depois, que há um novo leque de comentadores no canal que é pago, não sei se muito se pouco. Não há dúvidas: sou um tipo de azares nestas coisas. Mas uma coisa é certa: a partir de agora, quem quiser comentários, paga. A não ser, claro, que me apanhem a partir do fim da tarde, quando estou de tal forma distraído que compro tudo o que tentam vender-me.