Venham de lá as eleições!
No dia 30 de Janeiro teremos eleições legislativas antecipadas. Marcelo Rebelo de Sousa anunciara alto e bom som que o recurso a eleições seria o desfecho óbvio em caso de chumbo do Orçamento do Estado (OE). Se BE e PCP entendiam que eram inultrapassáveis as divergências com a proposta de OE apresentada pelo Governo, então ruía a base de suporte que sustentou o executivo e, não se vislumbrando qualquer alternativa no actual quadro parlamentar, não restava outra solução que não fosse uma ida antecipada às urnas.
O Presidente da República ainda recordou, no seu discurso ao país, que tinha viabilizado orçamentos dos executivos de António Guterres, mas obviamente não havia neste momento qualquer possibilidade de o PSD contribuir para a aprovação do OE. O período da troika e do governo de Passos Coelho criou clivagens enormes entre os dois partidos, que depois conduziram à solução de governo "inventada" por António Costa. Aliás, o próprio primeiro-ministro deixara claro no ano passado que, se viesse a precisar do apoio do PSD, nesse momento cairia o Governo.
Na política portuguesa, e sobretudo na relação entre PSD e PS, há um antes e um depois da legislatura 2011/15. Se em outras circunstâncias haveria caminho para António Costa e Rui Rio firmarem entendimentos em matérias críticas para o país, isso hoje não se coloca. E se o PSD vier optar por eleger Paulo Rangel para a liderança do partido, tal representará um realinhamento mais à direita, na ânsia de polarizar com o PS os dois campos políticos opostos. Se isso pode servir para conter o crescimento que se antecipa do Chega, o que em si mesmo é positivo, não deixa de representar uma estratégia de maior antagonismo, diria até de radicalismo, face aos socialistas. Não é com surpresa que se vê Paulo Rangel ser apoiado por todos aqueles que estiveram mais envolvidos no governo de Passos Coelho/Paulo Portas.
À esquerda do PS, esgotada a política de reposições que, em boa medida, justificou os acordos entre BE, PCP e PS nos últimos seis anos, voltou a prevalecer a vertente de protesto que mais identifica BE e PCP. A estes dois partidos, com história e percursos tão diferentes, não serve um PS forte e dominante, que acaba por lhes retirar espaço e eleitores. A páginas tantas, à luz dos seus interesses mais egoístas, mais vale que a direita volte ao poder para que possam afirmar-se no protesto permanente, ao mesmo tempo que assistem à fragilização do PS. Creio que aqueles que, no seio do PS, acreditam numa maioria estável com o suporte de BE e PCP estão iludidos com algo que dificilmente acontecerá, tantas são as divergências de base entre socialistas democráticos, comunistas e radicais de esquerda.
As próximas eleições devem proporcionar, tudo o indica, o crescimento do Chega e da Iniciativa Liberal e o definhamento do CDS (envolto num triste folhetim com o seu presidente agarrado ao poder, sem perceber quanto isso o diminui aos olhos do eleitorado). A evolução destes três partidos estará em boa medida relacionada com a liderança que for escolhida para conduzir o PSD. O maior partido da oposição necessita de arrumar rapidamente a casa e ultrapassar este momento menos feliz em que o líder em funções queria marcar eleições internas, depois já as queria cancelar e, por fim, anunciava querer comprimir todo o processo eleitoral do PSD. E, do outro lado, está um candidato que apoiava e, em pouco tempo, deixou de apoiar Rui Rio, propondo-se guinar o partido para a direita, o que deixa um pouco a ideia de que é mais animado pelo tacticismo de ocasião do que por aturada reflexão estratégica.
Com todo este quadro, vamos então para eleições. Marcelo poderá ter a desfeita de acordar a 31 de Janeiro sem que o quadro parlamentar se altere significativamente. As primeiras sondagens sugerem esse desfecho. Pode até acontecer que o parlamento fique ainda mais pulverizado e seja difícil constituir uma maioria de governo sólida. Não vejo que, nesse caso, se possam assacar grandes responsabilidade ao Presidente da República. Este ciclo encerrou por si, os portugueses têm a palavra e os partidos terão de estar à altura do momento que Portugal vive neste pós-pandemia.